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Cadê o meu absorvente?

Mesmo com lei em vigor, beneficiárias não exercem direito à dignidade menstrual

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Lúcia Xavier

Coordenadora geral do Criola

Mariane Marçal

Assistente de coordenação de projetos e incidência política do Criola

Quem não se lembra da comoção em torno da conquista da Lei Federal 14.214/2021, que finalmente inscreveu o direito de pessoas que menstruam em situação de vulnerabilidade social receberem absorventes de forma gratuita?

Para além da distribuição dos absorventes, a lei prevê ainda acesso a outros itens básicos para manutenção da saúde e dignidade menstrual.

No Brasil, 28% das mulheres já deixaram de ir à aula por não conseguirem comprar absorvente - Maria Ribeiro/P&G

Essa luta teve vários capítulos, entre eles derrubar o veto do então presidente Jair Bolsonaro e dialogar amplamente com a sociedade sobre a urgência de uma lei como essa, que poderá beneficiar mais de 8 milhões de meninas, mulheres e pessoas que menstruam. A maioria, negras.

Passada a aprovação, no entanto, nenhuma beneficiária da lei exerceu seu direito à dignidade menstrual.

Foi por isso que Criola, organização de mulheres negras com 30 anos de história, entrou em outubro de 2022 com uma Ação Civil Pública cobrando celeridade na implementação e cumprimento do Programa de Proteção e Promoção da Saúde e Dignidade Menstrual, além de exigir entrega de um plano detalhado, com prazos e orçamento, para seu início efetivo.

A liminar, representada pelo escritório NN Advogados, foi aceita pela 12ª Vara Federal do Rio de Janeiro. A União tem contestado a liminar, mas a última disputa na Justiça voltou a dar ganho de causa para Criola.

No dia 4 de julho os desembargadores da 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 2ª região entenderam, por 2 votos a 1, que a liminar concedida em primeira instância está valendo e que o governo federal deve apresentar este plano imediatamente, pois o prazo se esgotou no próprio dia 4.

Vale lembrar que, para Criola, esta é mais do que uma questão sanitária. Envolve justiça reprodutiva, acesso ao saneamento básico, a absorventes e à informação qualificada, com impacto no direito à educação e à saúde.

Como afirma estudo do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e UNFPA (Fundo de População das Nações Unidas) de 2021, 4 milhões de meninas não têm acesso a itens mínimos de cuidados menstruais nas escolas, 713 mil meninas vivem em lares sem banheiro ou chuveiro no Brasil, 900 mil não têm acesso a água canalizada em seus domicílios e 6,5 milhões vivem em casas sem ligação à rede de esgoto.

Além disso, a chance de uma menina negra não ter acesso a banheiros é quase 3 vezes maior do que a possibilidade de encontrarmos uma menina branca nessas mesmas condições. Enquanto 24% de meninas brancas residem em locais avaliados sem esgotamento, ao menos 37% de meninas negras vivem em locais insalubres e nessas condições.

O cenário, chamado de pobreza menstrual, caracterizado pela falta de acesso a recursos para higiene, infraestrutura, serviços, conhecimento e informações sobre o funcionamento do próprio corpo e o período menstrual, afeta brasileiras em condições de pobreza e vulnerabilidade nos contextos urbanos e rurais.

E acaba interferindo também na escolarização das meninas, uma vez que diminui a capacidade de atenção, gera ansiedade, preocupação e até mesmo evasão escolar.

A dignidade menstrual também é violada nas prisões e unidades socioeducativas femininas, onde há restrição a produtos como absorventes, papel higiênico, sabonetes, entre outros.

Os banhos curtos, os banheiros sem portas, sem água e até mesmo sem vaso sanitário são a realidade de milhares de mulheres e meninas privadas de liberdade.

De acordo com a Coalização pela Dignidade Menstrual, são mais de 30 mil mulheres em situação de privação de liberdade. Dessas, 47,33% são jovens entre 18 e 29 anos. São cerca de mil adolescentes entre 12 e 21 anos cumprindo medida socioeducativa e enfrentando a pobreza menstrual.

Absorventes podem virar artigo de luxo quando falta comida na mesa. Calcula-se em R$ 12 o gasto de, em média, 20 unidades de absorvente por ciclo. Uma família em extrema pobreza, com renda mensal per capita de R$ 168, com mãe e filha que menstruam, já comprometeria 14,2% de sua renda para comprar absorventes. Sem contar papel higiênico, sabonetes entre outros produtos básicos.

Toda essa situação de precariedade e ausência de condições básicas para o cuidado e saúde menstrual, assim como a insegurança alimentar, a falta de saneamento e acesso a serviços, afeta severamente os direitos humanos das mulheres e meninas negras e pessoas que menstruam.

O Brasil fica, assim, cada vez mais distante de alcançar compromissos internacionais, tais como os ODS (Objetivos de Desenvolvimentos Sustentável) da ONU ligados à saúde e ao bem-estar (ODS 3), o acesso a água potável e saneamento (ODS 6), A igualdade de gênero e o empoderamento de meninas e mulheres (ODS 5) e a redução das desigualdades (ODS 10).

Precisamos de justiça reprodutiva para vencer as iniquidades no campo dos direitos humanos, econômicos, sociais, culturais e ambientais que envolvem a pobreza menstrual.

Nesse sentido, a implantação do Programa de Prevenção e Promoção da Saúde e Dignidade Menstrual é urgente e carece de um plano de ação detalhado pelo governo federal que garanta o direito de meninas e mulheres negras.

Seguiremos em luta na Justiça, nas redes e no Congresso, em busca da efetivação desse direito, porque a menstruação não espera. Exigimos dignidade já!

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