Por quê?

Especialistas da plataforma Por Quê?, iniciativa da BEĨ Editora, traduzem o economês do nosso dia a dia, mostrando que a economia pode ser simples e divertida.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Por quê?
Descrição de chapéu economia

Gastar mais pode melhorar a economia do Brasil?

Vivenciamos um grave problema fiscal, com o governo registrando déficits substanciais

São Paulo

O Brasil passou recentemente por uma das piores crises econômicas de sua história. O país ensaia uma recuperação, ainda muito lenta. Levará alguns anos para atingirmos o nível de renda anterior à crise. Concomitantemente vivenciamos um grave problema fiscal, com o governo registrando déficits substanciais (isto é, gastando bem mais do que arrecada), e com a dívida pública ameaçando chegar a níveis insustentáveis nos próximos anos. É inevitável um ajuste para colocar as contas públicas em ordem.

Alguns analistas defendem que o ajuste fiscal proposto pelo ministro Joaquim Levy no início do segundo governo Dilma teria sido responsável por aprofundar a crise e piorar ainda mais o estado das contas públicas. Argumento similar pode ser aplicado para defender, no atual momento, um aumento de gastos públicos para acelerar a recuperação, o que, de quebra, ajudaria o país a ajustar as contas.

Como gastar mais pode melhorar a situação fiscal do governo? É como se você passasse a tarde em um shopping center fazendo compras e, no fim do dia, o saldo da sua conta no banco aumentasse ao invés de diminuir.

Na verdade, teoricamente é sim possível que um aumento de gastos melhore o lado fiscal. O ponto é que o governo é um ente grande e, ao aumentar seu dispêndio, pode estimular a demanda de bens ou serviços e aquecer a economia.Isso gera um aumento na produção e, consequentemente, na arrecadação de impostos. Caso esse ganho de receita seja maior do que a elevação inicial dos gastos, as contas do governo poderiam melhorar.

Esse raciocínio tem consistência lógica. O problema é quantitativo: são necessários parâmetros muito distantes da realidade para gerar um aumento desse montante na arrecadação.

E que parâmetros seriam esses?

Note que a história acima pode ser resumida pelo seguinte diagrama:

Diagrama mostra que aumento de gastos leva a aumento do produto, e aumento do produto leva a aumento de arrecadação de impostos
Arrecadação aumenta com aumento de gastos, pelo diagrama - PQ

O impacto dos gastos sobre a arrecadação depende, assim, de como o gasto afeta a produção total (primeira seta acima), e de como esse crescimento no produto mexe na receita de impostos (segunda seta).

O primeiro efeito (Aumento dos Gastos à Aumento do Produto) é captado pelo multiplicador fiscal, que chamaremos de m. Em particular, m é o aumento do produto decorrente de um aumento de R$1 nos gastos públicos. Já o segundo efeito (Aumento do Produto à Aumento da arrecadação de impostos) é dado pela elasticidade da arrecadação ao PIB, que chamaremos de E. O E mede quanto a receita de impostos cresce (em %) quando o PIB se eleva em 1%.

O impacto do aumento dos gastos sobre a arrecadação dependerá da combinação desses dois efeitos. Para que o aumento de gasto “se pague”, precisamos que os parâmetros e m sejam suficientemente elevados, a ponto de que arrecadação acabe subindo mais do que a despesa, reduzindo o déficit e melhorando a situação fiscal do país.

É aí que a porca torce o rabo. Retomamos o que dissemos: precisaríamos de parâmetros com valores muito distantes dos estimados pela literatura para justificar isso.

Mario Mendonça e Luis Alberto Medrano, do IPEA, estimam que o parâmetro E esteja próximo de 1 –isto é, um aumento de 1% no PIB gera aproximadamente um crescimento na mesma proporção na receita de impostos.

Considerando uma carga tributária de 32% (valor de 2017 para o Brasil), quanto deveria ser o multiplicador fiscal (m) para garantir que a receita cresça mais do que o gasto? A resposta: maior que 3,125. Veja detalhes dos cálculos ao fim desse texto. Raciocínio similar foi aplicado por Guilherme Tinoco e Ricardo Barboza, em artigo no Valor Econômico.

Mas valores como esse encontram pouco respaldo na literatura especializada. Uma nota do FMI resume os achados empíricos para diversos países. Em geral, para países desenvolvidos, o multiplicador fiscal fica entre 0,5 e 1. Para países em desenvolvimento as estimativas são mais escassas, porém não tendem a ser mais elevadas. 

Há evidência de que o multiplicador fiscal é mais alto em períodos de recessão do que em expansão, mas não chega a ser tão alto a ponto de ultrapassar 3. Roberto Orair, Fernando Siqueira e Sergio Gobetti estimam multiplicadores para o Brasil para diferentes tipos de despesa. O valor mais elevado que encontram é 1,68, no caso para gastos em investimento em períodos de recessão. Muito longe do valor requerido de m para que uma elevação do gasto “se pague”.

Já Raphael Corbi, Elias Papaioannou e Paolo Surico estimam multiplicadores no nível municipal, avaliando o impacto de transferências constitucionais sobre gastos públicos e atividade produtiva local. Encontram valores na casa de 2. Note que, para o governo federal, esse multiplicador tende a ser menor, pois aumentos nos gastos podem influenciar taxas de juros, taxas de câmbio, dívida pública e expectativas futuras de impostos, algo que não se aplica no nível municipal. Ainda assim, os multiplicadores estimados não são tão grandes para justificar uma reação substancial na receita a ponto de reduzir o déficit fiscal.

Ou seja: na teoria, um aumento dos gastos públicos pode melhorar a situação fiscal do país. Mas para isso precisaríamos de multiplicadores fiscais pouco realistas. Infelizmente a vida é dura: precisamos apertar o cinto para que o estado volte a caber na restrição orçamentária.

Confira aqui como foram feitos os cálculos discutidos no texto.

(Agradecemos a Guilherme Tinoco pelos comentários.)

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.