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FMI aponta perdas permanentes de PIB com a pandemia

Crises associadas a ciclos industriais e financeiros sucedem períodos de crescimento; na pandemia, só há o lado da perda

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Otaviano Canuto

Membro sênior do Policy Center for the New South, membro sênior não-residente do Brookings Institute, professor na Elliott School of International Affairs da George Washington University e principal do Center for Macroeconomics and Development em Washington. Foi vice-presidente e diretor executivo no Banco Mundial, diretor executivo no FMI e vice-presidente no BID. Também foi secretário de assuntos internacionais no Ministério da Fazenda e professor da USP e da Unicamp

No Relatório de Perspectivas Econômicas divulgado na semana passada, o FMI (Fundo Monetário Internacional) rebaixou levemente sua previsão de crescimento da economia global este ano para 5,9%, mantendo 4,9% para o ano que vem. Também deu ênfase à “divergência” no ritmo e na extensão da recuperação econômica entre os países.

Dois fatores são destacados na explicação da divergência. Antes de tudo, os distintos andamento e alcance da vacinação nos vários países, ou seja, o “grande abismo no acesso a vacinas”. O relatório mostra uma alta correlação positiva entre, de um lado, taxas de vacinação e, de outro, revisões para cima nas projeções de crescimento dos países desde o mês de abril. O outro fator corresponde às diferenças nacionais no espaço disponível para adoção de políticas fiscais de apoio.

O FMI se referiu a “marcas duradouras” deixadas no curso das recuperações divergentes, com economias emergentes e em desenvolvimento apresentando no médio prazo danos mais profundos que a média entre países avançados. Por exemplo, nos casos de emergentes asiáticos (excluindo China), África Subsaariana e América Latina e Caribe, os produtos internos brutos agora previstos pelo Fundo para 2024 deverão estar, respectivamente, 9%, 5% e 4,5% menores que aqueles projetados antes da pandemia, em janeiro do ano passado. Apenas Estados Unidos e emergentes da Europa Oriental aparecem com PIB maiores que antes.

Logo do Fundo Monetário Internacional na sede da instituição em Washington - Yuri Gripas - 4.set.2018/Reuters

A divergência de sequelas da pandemia também se manifesta nos mercados de trabalho e nos níveis de utilização da capacidade produtiva. O FMI projeta que até 2024 haverá perda de empregos em relação a tendências de antes da pandemia maior entre emergentes e em desenvolvimento.

Há que se distinguir, de um lado, a perda permanente de PIB derivada da pandemia e, de outro, as consequências desta sobre sua futura trajetória. Há uma perda definitiva quando se comparam as trajetórias antes previstas e as efetivas com a pandemia. Mesmo que se supusesse hipoteticamente um exato retorno da economia ao ponto de partida prévio, retomando a partir daí a taxa de crescimento anterior à pandemia, todo o PIB não gerado durante a crise estaria permanentemente perdido.

Trata-se de situação diferente das crises associadas a ciclos industriais ou financeiros comuns na história porque, nesses casos, em geral terá ocorrido previamente algum período de crescimento acima do normal ou tendencial. Na pandemia só há o lado da perda.

Há também a probabilidade alta de sequelas —ou “cicatrizes”— impedirem um retorno completo ao patamar de PIB projetado antes da pandemia. Como na hipótese de uma recuperação com a forma de uma "raiz quadrada invertida". Nesse caso, a perda permanente de PIB incluiria as diferenças entre os níveis de PIB projetados antes e depois, mesmo supondo-se o retorno do ritmo de crescimento potencial prévio à pandemia.

Como abordamos aqui anteriormente, a pandemia está deixando cicatrizes nos mercados de trabalho. Desemprego por tempo significativo leva à erosão de qualificações. A qualidade e a quantidade de horas na formação de capital humano também estão sendo negativamente impactadas.

A pandemia deixará outras cicatrizes, como abordado por Diggle e Bartholomew (2021). É preciso levar em conta que o suporte financeiro pelo setor público tornou possível a sobrevivência de empresas “zumbis”, ou seja, incapazes de gerar retornos e com dificuldade de cumprir serviços de dívida. O suporte via políticas públicas evitou a morte de empresas viáveis em condições normais, mas o efeito colateral de criar zumbis constitui, por seu lado, um entrave na realocação de recursos.

Há também o fato de que experiências com choques negativos fortes provocam impactos persistentes sobre crenças e humor de empresas e negócios, induzindo-os a maiores níveis de aversão a riscos em decisões financeiras e orçamentárias. Não por acaso historicamente as poupanças sobem durante as pandemias.

Por outro lado, a pandemia trouxe um choque positivo de produtividade em setores onde havia alguma relutância empresarial em acelerar digitalização e automação, conforme revelado em algumas pesquisas recentes com gerentes corporativos. Certamente os desafios em termos de necessidade de requalificação da força de trabalho também aumentaram.

O relatório do FMI apresentou um cenário de médio prazo mais positivo para a economia dos Estados Unidos, embutindo uma avaliação favorável dos efeitos do programa fiscal do governo Biden, cuja viabilidade de aprovação política certamente foi facilitada pela crise pandêmica. Caso queira, o leitor pode incluir isso entre os “choques positivos”.

As cicatrizes, com profundidades diferentes entre os países, limitarão a extensão em que a recuperação reaproximará suas economias das trajetórias prévias à pandemia. Quanto mais curta for tal recuperação, maior será a perda permanente de PIB decorrente das diferenças entre o PIB projetado antes e depois. Má notícia em particular para economias emergentes e em desenvolvimento que, segundo o relatório do FMI, estão no lado inferior da “divergência de recuperações”.

E as tendências de crescimento após a pandemia, ou seja, já incorporando suas sequelas? Há alguma razão para esperar que mudem para cima ou para baixo como consequência duradoura da pandemia?

Aqui, como observamos neste espaço, mora o perigo de que políticas econômicas nacionais passem a privilegiar a prevenção contra riscos e retrocedam na integração produtiva através das fronteiras que marcou a globalização nas décadas anteriores à crise financeira global, já sujeita a pressões no sentido oposto desde então. A primazia da eficiência e da minimização de custos cederia espaço à segurança contra riscos de choques sobre a disponibilidade de importações. As rupturas no abastecimento que têm marcado o atual momento da recuperação da crise podem ser usadas como justificativa para tal.

Resta ver até onde seriam estendidas as linhas demarcatórias do que será considerado “estratégico” pelos diversos países. Mas caminhar em direção ao fechamento de mercados tende a afetar negativamente a futura evolução de produtividades. Não se pode perder de vista também o exuberante resultado em termos de redução global da pobreza e menor desigualdade entre rendas per capita nacionais que acompanhou a globalização.

Há também que se levar em conta como possível consequência positiva o reforço —aparentemente o caso em muitos países— do apoio político doméstico à busca do crescimento sustentável e inclusivo. Por enquanto, porém, ficam as perdas permanentes de PIB.

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