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Problemas complexos e relações sistêmicas: escolhas energéticas, oceanos e mudanças climáticas

Petrobras parece estar contra a maré em relação a energias renováveis

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Priscila Borin Claro

Professora associada e líder do Centro de Sustentabilidade e Negócios do Insper. É mestre em Ciência Ambiental pela Universidade de Wageningen (WUR) e doutora em Administração e Desenvolvimento Sustentável pela Universidade Federal de Lavras

Recentemente, tenho pesquisado as evidências de conexões sistêmicas entre escolhas energéticas, oceanos e mudanças climáticas, e avaliado como as estratégias de sustentabilidade comunicadas por algumas empresas não condizem com suas práticas. Mas afinal, quais são as relações entre escolhas energéticas, oceanos e mudanças climáticas?

As escolhas energéticas desempenham um papel fundamental nas mudanças climáticas e, consequentemente, nos oceanos. A queima de combustíveis fósseis, como petróleo, carvão e gás natural, para gerar energia para indústrias, transportes e residências, é responsável por uma parcela das emissões de gases de efeito estufa (GEE), que contribuem para as mudanças climáticas.

Embarcação usada em operações da Petrobras para exploração de petróleo no Espírito Santo
Embarcação usada em operações da Petrobras para exploração de petróleo no Espírito Santo - Ricardo Moraes - 25.abr.2023 / Reuters

Essas emissões têm um impacto direto nos oceanos, pois o aumento da temperatura do planeta faz com que as águas se aqueçam e se expandam, contribuindo para a elevação do nível do mar. Além disso, o aumento das emissões de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera, gás absorvido pelos oceanos, torna a água mais ácida.

Os impactos da acidificação dos oceanos incluem prejuízo para a biodiversidade marinha, como corais, moluscos e crustáceos, alteração de ecossistemas, redução da produção de oxigênio e danos à pesca, ao turismo e à extração de petróleo e gás.

Uma pesquisa inédita, conduzida em 2018 pela professora Andréa Bento, estimou que a economia do mar brasileira representou 19% do PIB nacional em 2015, incluindo segmentos como petróleo, transporte, pesca, cabos submarinos, lazer e turismo.

Ou seja, o aumento da emissão de GEE contribui para a acidificação dos oceanos, que contribui para o aumento da temperatura atmosférica, já que os oceanos desempenham um papel importante na absorção de carbono. Esses processos estão interconectados e fazem parte de um fenômeno chamado "feedbacks climáticos".

Uma estratégia para reduzir as emissões de GEE e limitar as mudanças climáticas é promover escolhas energéticas mais sustentáveis, como o uso de energias renováveis, como a solar, a eólica e a hidrelétrica. Essas fontes de energia são mais limpas e têm um impacto muito menor sobre o meio ambiente do que os combustíveis fósseis.

No caso dos oceanos, para limitar os efeitos negativos das atividades humanas em seu equilíbrio, é imprescindível reduzir a emissão de GEE, proteger as áreas marinhas, controlar a pesca e a sobrepesca, reduzir a poluição, especialmente plástica, desenvolver uma governança global para controlar o transporte marítimo e a extração de petróleo e gás em águas profundas, além de promover a conscientização pública.

Gostaria de chamar atenção para um dos drivers do desequilíbrio dos oceanos que é a extração de petróleo e gás em águas profundas, uma atividade que afeta significativamente o equilíbrio dos ecossistemas marinhos e a biodiversidade dos oceanos, principalmente devido à construção de plataformas, aos derramamentos de petróleo e produtos químicos utilizados na exploração e produção, além do descarte inadequado de resíduos.

Em resumo, nossas escolhas energéticas impactam a emissão de GEE, a temperatura do planeta e o equilíbrio dos oceanos. O desequilíbrio dos oceanos, por sua vez, reforça as mudanças climáticas.

Para viabilizar escolhas energéticas limpas e garantir o equilíbrio dos oceanos, é crucial prestar atenção em setores críticos, como o de óleo e gás. No Brasil, a Petrobras é a maior empresa de óleo e gás natural e tem uma estrutura de economia mista. Isso significa que a empresa é de propriedade pública e tem ações negociadas na Bolsa de Valores, com participação de outras empresas privadas e do Estado. O Estado, por sua vez, detém a maior parte das ações da empresa, o que confere ao governo um papel importante na gestão da Petrobras.

Vários relatórios de sustentabilidade de anos anteriores e entrevistas com executivos da Petrobras mencionam o compromisso da empresa em investir em energias renováveis. No seu Plano de Negócios e Gestão para o período de 2021-2025, a Petrobras estabeleceu um investimento de cerca de US$ 220 milhões em energias renováveis, o que inclui projetos de geração de energia eólica, solar e biomassa. Apesar de representar um valor significativo, esse montante equivale a apenas cerca de 0,5% do total de investimentos planejados pela empresa para o período.

No relatório de sustentabilidade de 2021, a Petrobras reportou investimentos de R$ 22,4 milhões em P&D no segmento de biocombustíveis avançados e R$ 36,1 milhões em energia renovável, totalizando R$ 58,5 milhões. No entanto, a empresa informou que deixou de atuar no segmento de geração de energia eólica e hidrelétrica.

O Plano Estratégico (PE) de 2023-2027 reforça que a estratégia da empresa está focada na descarbonização, ou seja, na redução de emissões, por meio de melhorias nas operações de extração e produção de petróleo e gás. O PE indica que os investimentos em produção de energia limpa, cerca de US$ 600 milhões, representam menos de 1% dos investimentos projetados totais da Petrobras. Se forem incluídos os investimentos em redução de emissão de carbono, esse valor sobe para pouco mais de 5%.

Por outro lado, a empresa planeja alocar US$ 64 bilhões (83% de sua despesa de capital, ou CAPEX) na área de Exploração e Produção nos próximos cinco anos, especialmente em projetos no pré-sal, que responderão por 78% de toda a produção da Petrobras em 2027, reforçando um foco em energias não renováveis e extração abaixo do leito do mar. Apesar de o setor estar investindo cada vez mais em energias renováveis, a Petrobras parece estar caminhando contra a maré.

Como uma empresa estatal em um país que se comprometeu —de acordo com a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) do Brasil, publicada em março de 2022— a reduzir em 37% as emissões de GEE até 2025 e em 50% até 2030 em relação aos níveis de 2005, seria de esperar que seus investimentos e estratégias estivessem alinhados a esse comprometimento. No entanto, a empresa parece ter adotado uma estratégia diferente daquela preconizada pelo seu principal acionista —o Estado.

Na teoria, como já escrevi nesta coluna, um problema complexo requer pensamento sistêmico, como é o caso de escolhas energéticas, proteção dos oceanos e estratégia climática. É preciso ter consciência das relações sistêmicas para garantir coerência e consistência entre comprometimentos públicos e estratégias implementadas. Isso vale para empresas privadas e estatais.

Na prática, no caso do governo brasileiro e das estratégias da Petrobras, muito dessas definições tem influência do governo anterior e de seu baixo comprometimento com políticas climáticas. Meu voto de otimismo e esperança é que o posicionamento de liderança na agenda climática do novo governo saia do mundo dos compromissos públicos e passe a ser a realidade na execução de investimentos e estratégias.

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