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Descrição de chapéu China

Onde foi parar a Nova Rota da Seda?

Foco agora é em projetos pequenos e de acordo com políticas de energia limpa

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Otaviano Canuto

Membro sênior do Policy Center for the New South, membro sênior não residente do Brookings Institution, professor na Elliott School of International Affairs da George Washington University, professor afiliado na Universidade Politécnica Mohamed VI

A Iniciativa da Nova Rota da Seda (ou Belt and Road Initiative, BRI), lançada por Xi Jinping, completou seu décimo aniversário este ano. Está neste momento em uma terceira fase.

A iniciativa trouxe um selo para o financiamento e a construção de infraestrutura no exterior pela China, que já havia superado US$ 400 bilhões nos dez anos anteriores. Os projetos de investimento são parte do soft power chinês e utilizam o excesso de capacidade instalada do país. Como já abordamos neste espaço, o rebalanceamento da economia chinesa foi implementado de maneira gradual, com bolhas de construção imobiliária e de infraestrutura permitindo um deslize apenas gradual das taxas de crescimento do PIB de dois dígitos até os 6% em 2019, último ano antes da pandemia. A BRI se encaixou como uma luva.

Prédios na região central de Zhenjiang, província de Jiangsu - AFP

Além de ser fonte de investimentos para países em desenvolvimento, a BRI apresentou-se como uma plataforma com implementação rápida e sem muitos padrões ambientais, sociais e de governança.

Com efeito, a China tornou-se a maior fonte bilateral de financiamento internacional de desenvolvimento. Até 2018, dirigidos principalmente para infraestruturas e o setor energético, os empréstimos de desenvolvimento da China à América Latina e o Caribe ultrapassaram a soma dos empréstimos do Banco Mundial, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF). A presença de tais operações na região passou a ser vista como uma "competição por influência". Algo similar ocorreu na África.

Segundo levantamento do Centro Global de Políticas de Desenvolvimento da Universidade de Boston, o volume de empréstimos dos bancos públicos de desenvolvimento chineses –Eximbank e Banco de Desenvolvimento da China– superou os do Banco Mundial entre 2008 e 2021, em áreas como extração de petróleo e oleodutos, transporte, energia, telecomunicações e outros. O Banco Mundial manteve a dianteira em saúde, educação, governança e agricultura, além de apoio orçamentário direto. No total do período, os compromissos de empréstimos pelos dois bancos públicos de desenvolvimento chegaram a US$ 498 bilhões, ou seja, 83% do total do Banco Mundial (US$ 601 bilhões).

Chinesa State Grid foi destaque no leilão de transmissão de energia em 15.dez.23 - Divulgaçao B3

A partir de 2018, porém, a BRI entrou numa fase que pode ser chamada de "correção", como apontado em relatório da consultoria Gavekal em 7 de dezembro. A rigor, a maior parte dos recursos desde 2020 foi para empréstimos emergenciais que evitassem que vários países de renda baixa e média parassem com o serviço da dívida dos projetos anteriores, e não para novos.

Com a entrada de muitos países tomadores de empréstimos em situações de "estresse de dívida", o banco central do país também abriu linhas emergenciais de crédito.

O total das dívidas para a China de países de baixa e renda média está entre US$ 1,1 trilhão e US$ 1,5 trilhão. Cerca de 80% da carteira de empréstimos da China está em países com dificuldades financeiras.

Em 2021, 58% dos empréstimos chineses foram operações de socorro, com menos de um terço para novos projetos de infraestrutura. Este ano a Argentina escapou de dar um calote no FMI graças à linha de crédito entre seu banco central e o chinês.

Mais da metade dos empréstimos via BRI já entrou em seus períodos de reembolso do principal; até 2030, o número deve atingir 75%. Então, os devedores da China estão iniciando grandes reembolsos num momento em que as taxas de juros passaram para um período de alta, o dólar americano valorizou e o crescimento econômico global está arrefecendo. Como bem posto por um recente relatório da AidData, a China está passando de maior credor bilateral de desenvolvimento do mundo para "maior cobrador de dívidas oficiais do mundo".

Trem atravessa o rio Mekong na linha China-Laos, que integra a Nova Rota da Seda - Chen Chang/Xinhua

A insistência da China em processos bilaterais de reestruturação de dívidas em seus próprios termos (que raramente incluem a amortização do principal), não participando plenamente de processos multilaterais, a resolução da dívida dos países em desenvolvimento às voltas com estresse deve se arrastar por anos.

Mas depois das fases de "ápice" (2014-17) e de "correção" (a partir de 2018), a BRI entrou numa terceira fase. O foco agora estará em projetos "pequenos e mais espertos", em coordenação com as políticas industriais de energia limpa do país.

A Iniciativa da Nova Rota da Seda vai querer ampliar mercados para fabricantes chineses de energia solar e eólica, além de assegurar acesso a minerais críticos para sua cadeia de valor de produção de baterias. Dado o contexto de rivalidade tecnológica –inclusive na energia limpa– entre China e os EUA e seus aliados, ainda está por ser vista uma reação equiparável à BRI em sua terceira fase.

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