Igor Patrick

Jornalista, mestre em Estudos da China pela Academia Yenching (Universidade de Pequim) e em Assuntos Globais pela Universidade Tsinghua

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Descrição de chapéu China Rússia

Guerra em Israel ofusca aniversário de 10 anos da Nova Rota da Seda

Muitos dos problemas associados à iniciativa são menos responsabilidade da China e mais da megalomania do projeto

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O turbulento noticiário internacional dos últimos dias talvez tenha deixado pouco espaço para uma efeméride importante. A semana marcou os dez anos da Iniciativa de Cinturão e Rota chinesa (BRI, na sigla em inglês), celebrada com um fórum em Pequim em que Xi Jinping recebeu líderes como Vladimir Putin, Viktor Orbán e Gabriel Boric.

A lista de participantes VIP diminuiu consideravelmente, e hoje já não há tanto dinheiro chinês disponível como antes para sair distribuindo. Talvez o evento sirva como desculpa, porém, para uma análise do legado deste projeto tão superlativo após uma década de seu início.

Muitos pesquisadores hoje argumentam que a iniciativa surgiu por acaso. Xi visitava o Cazaquistão em 2013 e, em uma universidade, incentivou a criação de uma "nova rota da seda", o caminho que por séculos ligou a China à Europa. É provável que estivesse apenas usando uma referência histórica para defender o aumento das trocas comerciais e a própria parceria sino-cazaque, já que o trajeto antigo cortava o território do país vizinho.

Trem de alta velocidade que liga Laos à China é um dos projetos na Nova Rota da Seda
Trem de alta velocidade que liga Laos à China é um dos projetos na Nova Rota da Seda - Chen Chang - 28.mai.2023 / Xinhua

Mas a coisa pegou na imprensa ocidental, e a propaganda chinesa gostou. Os meses que se seguiram foram de correria para renomear projetos em andamento (ou até já concluídos) como parte da "Nova Rota da Seda".

Dali em diante, quaisquer novos investimentos entravam na mesma cesta. O resultado foi a alcunha de "maior projeto de infraestrutura da história mundial", orçado em impressionantes US$ 1 trilhão (R$ 5 trilhões, no câmbio atual), e a piada recorrente em Pequim: "estrangeiros têm dificuldade de entender o que é a BRI e os chineses, de entender o que não é".

Na última década, a marca financiou a construção de portos, rodovias, ferrovias, linhas de metrô, usinas de energia. Foi (injustamente) classificada como uma "armadilha da dívida" e (justamente) acusada de fomentar elefantes brancos e bancar elites corruptas mundo afora.

Um estudo realizado em 2021 pelo laboratório de pesquisa AidData mostrou que 35% da infraestrutura financiada pela BRI estava envolvida em alguma controvérsia, como corrupção, dívida excessiva e exploração trabalhista. Projetos polêmicos, como o porto de Hambantota no Sri Lanka e uma ligação entre sistemas ferroviários na costa leste da Malásia, ajudaram a popularizar no Ocidente a ideia de uma iniciativa cujo único objetivo era atender aos arroubos de grandeza chineses.

A realidade tem mais nuances. A BRI fez sucesso por ser, durante muitos anos, a única plataforma de fomento à infraestrutura de países em desenvolvimento com acesso limitado a crédito em bancos ocidentais. Boa parte dos problemas constantemente associados a ela são menos responsabilidade intencional da China e mais consequência da própria megalomania da iniciativa, que talvez tenha impedido análises de risco mais ponderadas em relação aos investimentos realizados.

A pandemia e os problemas econômicos enfrentados pela China pós-reabertura deixaram a iniciativa um pouco esquecida pela diplomacia em Pequim. Talvez tenha sido a pausa necessária para a sua reestruturação, de modo que ela se torne mais concisa e possa se concentrar em projetos financeiramente sustentáveis.

Na próxima década, a comunidade internacional vai acompanhar de perto como a China se portará diante dos seus compromissos ambientais. A BRI, que só em 2023 já financiou 36% de todos os projetos de energia mundo afora, estará sob os holofotes.

O Conselho de Relações Exteriores estima que 91% dos empréstimos ao setor energético feitos pelos seis principais bancos chineses associados à iniciativa foram para combustíveis fósseis (sobretudo exploração de carvão). Se quiser se manter fiel à promessa de transformar a China em uma economia de baixo carbono, Xi precisará rever as prioridades da BRI.

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