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Jornalista e autor de "Escola Brasileira de Futebol". Cobriu sete Copas e nove finais de Champions.

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O Brasil já pode amarelar

É justo recuperar a relação da cor com o movimento de libertação democrática das Diretas Já

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É devastador o depoimento de Míriam Leitão dado ao Jornal da Globo sobre como era acompanhar a Copa de 1970 em meio ao período mais sombrio da tortura no Brasil: "Espero que ninguém mais precise torcer chorando".

Ela diz que sabia haver alguém sendo torturado enquanto o Brasil festejava gols.

A paixão pelo futebol sobreviveu.

Há duas semanas, o diário espanhol El País mostrou como a camisa amarela da seleção ficou contaminada por seguidores de Bolsonaro. Já tinha feito a mesma reportagem em 2018.

Na época, o sociólogo Ronaldo Helal argumentou: "Isso é uma grande bobagem. O verde e o amarelo da camisa são as cores do Brasil. Não faz sentido renegá-los em resposta à sua apropriação por grupos políticos".

Amarelo é a cor das Diretas Já e da camisa que vestiram Pelé e Garrincha.

Osmar Santos vestiu amarelo cobrando democracia - Reprodução

Ninguém protestou nem deixou de torcer pela seleção feminina de vôlei feminino na final do Mundial contra a Sérvia, vestida de amarelo. Nem mesmo sabendo que a geração que elevou o patamar do voleibol, com William, Isabel, Vera Mossa, Bernard e Jaqueline vestia branco, ou azul-marinho. O amarelo virou a cor do vôlei depois, a partir de Barcelona-1992.

Durante os primeiros anos da ditadura Franco, os espanhóis jogavam de azul, porque o tradicional vermelho lembrava as tropas republicanas, na guerra civil. O azul, escolhido pela federação, pintava o uniforme do exército enviado por Franco para lutar a favor dos nazistas, na Segunda Guerra.

E, no entanto, a Espanha foi campeã de azul, na Euro de 1964 e no Mundial de 2010.

Ninguém jamais relacionou o uniforme do gol de Iniesta ao ditador Franco. Nem a imagem de Maradona, de celeste e branco, com a Copa do Mundo nas mãos, é relacionada ao general Videla, condenado à prisão perpétua por seus crimes na ditadura, como mostra o filme "Argentina, 1985", com Ricardo Darin como protagonista.

É justo agora recuperar a relação do amarelo com o movimento de libertação democrática das Diretas Já, quando Osmar Santos, Sócrates, Casagrande, Rita Lee, Caetano e Gil subiam aos palanques vestidos de amarelo.

A Itália acaba de eleger uma líder de extrema-direita cujo partido se chama Fratelli d’Italia. A expressão, traduzida para Irmãos da Itália, é o primeiro verso do hino nacional. É como se o partido do governo se chamasse Ouviram do Ipiranga. Ou como se alguém tivesse querido se apoderar do verso Pátria Amada, Brasil.

Que coincidência...

Os símbolos não são dos patriotas que perdem uma eleição e fecham estradas, para não deixar que a gasolina chegue aos postos e a comida, ao seu prato. A bandeira e a camisa amarela são nossas.

Ninguém é obrigado a torcer pela seleção na Copa do Mundo. Não é a Pátria de Chuteiras. Mas todos temos o direito de fazer isso e nos vestir da cor que pretendemos para expressar a felicidade em assistir ao melhor futebol do planeta, de qualquer equipe.

No armário, minha já gigante e orgulhosa coleção de camisetas tem Milan e Internazionale, Barcelona e Real Madrid, Palmeiras e São Paulo, Flamengo e Vasco, Grêmio e Internacional, Ajax e PSV, Bayern e Borussia.

Por que, então, eu posso escolher uma camisa celeste do Uruguai, a celeste e branca de Maradona, a dez de Mbappé da final contra a Croácia e a azul de Iniesta, com a estampa da final da Copa da África do Sul?

Todas essas eu posso tirar do armário.

Por que, então, não usar a amarela do Brasil, sem ser confundido com um membro de uma seita?

Quero ver quem paga, para a gente ficar assim.

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