Eliane Trindade

Editora do prêmio Empreendedor Social, editou a Revista da Folha. É autora de “As Meninas da Esquina”.

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Investimentos que vão além da 'ditadura do lucro' chegam a US$ 500 bi

Mercado de impacto, que visa ganhos sociais e ambientais, quer sair do nicho com métricas para comprovar resultados

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Buenos Aires - “Estamos derrubando a ditadura do lucro. Investir apenas para obter retorno sobre o dinheiro não faz mais sentido.”

A declaração enfática é de sir Ronald Cohen, financista britânico, ao encerrar a quinta cúpula global sobre investimentos de impacto, que visam ganhos sociais e ambientais além de econômicos.

“A revolução de impacto é imparável e nasce da simples ideia de que podemos mudar o foco único no lucro, redirecionando grandes fluxos de investimentos para negócios que vão melhorar o mundo.”

O discurso do presidente do Global Steering Group for Impact Investment, formado por 32 países com o objetivo de atrair novos investidores, encontrou eco numa América Latina sacudia pelos recentes manifestações no Chile.

Realizado pela primeira vez na América Latina, o evento reuniu em Buenos Aries 462 investidores, filantropos, gestores públicos e líderes de negócios de impacto e do terceiro setor de 41 países, em 18 e 19 de novembro.

Em sua quinta edição, o fórum mostra a evolução do setor, com dados do relatório anual do GIIN (Global Impact Investing Network): investimentos de impacto passaram de US$ 114 bilhões em 2016 para R$ 239 bilhões em 2018. 

Naquele ano, em paralelo, foi feita nova pesquisa com resultados ainda mais animadores, intitulada de Sizing the Impact Investment Market (Redimensionando o Mercado de Investimento de Impacto). Segundo o levantamento, o montante já supera US$ 500 bilhões no mundo. 

“É uma amostra mais ampliada do que o mapeamento tradicional, diante da percepção de que outros dinheiros estão indo para impacto”, explica Beto Scretas, membro da diretoria-executiva da Aliança pelo Investimentos e Negócio de Impacto no Brasil e palestrante na cúpula.

O fato destacado em Buenos Aires é o crescimento acelerado deste mercado. 
No Brasil, a Ande (Aspen Network of Development Entrepreneurs), rede global que impulsiona empreendedorismo em mercados emergentes, estimava o volume de investimentos de impacto no mercado brasileiro em US$ 343 milhões em 2017.

É um patamar subestimado, segundo Scretas, levando-se em conta os US$ 4,9 bilhões projetados para toda a América Latina.

“A sensação é de os números que colocam o Brasil com menos de 10% do total não refletem a realidade, quando somos um terço da economia da região. De qualquer forma, sinalizam grande potencial de crescimento.”

Um dos desafios globais para atrair mais capital é a necessidade de métricas que comprovem impacto social e ambiental a serem apresentadas a potenciais investidores. 

Tanto que o GSG acabou de anunciar uma iniciativa conjunta com o movimento Impact Measure, a ser incubada na Universidade Harvard.

A ideia é a criação de um modelo contábil que consiga refletir não só desempenho financeiro, mas performance ambiental e social das companhias. 

“Ao evidenciar externalidades, o modelo daria transparência para o investidor e o ajudaria na tomada de decisão de onde colocar o seu dinheiro”, resume Scretas.

O efeito seria comparável às regras contáveis definidas na década de 1930 para comparar desempenho financeiro. E também da entrada em vigor do sistema de mensuração de risco nos anos 1970. Este agora seria um terceiro momento de mensurar o tripé risco, retorno e impacto.

Até lá, a boa notícia é o crescimento da oferta de Social Impact Bonds, os chamados CIS (Contratos de Impacto Social), já lançados em 35 países.

“Pela primeira vez, um painel sobre Impact Bonds começou sem a explicação do que são esses contratos, demonstrando maturidade do setor e o sucesso desses instrumentos que já são 170 em todo o mundo”, ressalta Leonardo Letelier, fundado da Sitawi Finanças do Bem, um dos 44 integrantes da delegação brasileira, a segunda maior do evento. 

No Brasil, o Governo Federal acabou de abrir um pregão eletrônico que vai nessa direção, com contrato de desempenho e pagamento por performance dos fornecedores em um programa de empregabilidade juvenil. "É um primo do Impact Bonds", compara Letelier.

Sinais de que esta nova economia pode de fato sair do nicho e se tornar “mainstream”. Para espanhol Juan Bernal, CEO da Caixa Bank Asset Managemet e ex-Santander, é preciso disseminar o conceito.

“Até há pouco tempo, eu não sabia o que era investimento de impacto”, confessou, durante painel, quando, brincou, era o representante do “lado negro da força”.

Do outro lado, estava Laurie Spengle, do  Enclude Capital,  um banco de investimento de impacto que se dedica a construir uma economia local mais sustentável e inclusiva no Reino Unido. Ela acredita que basta colocar impacto no foco da busca por investimentos e no design de produtos financeiros. “Este movimento é imparável.”

Para o brasileiro Daniel Izzo, do Vox Capital, fundo focado em investimentos de impacto no Brasil, um dos desafios é a pouca oferta de produtos financeiros e também de um portfólio de investimentos de espectro variado.

“Impacto é tangível. O investidor tem que ter em mente o que seu dinheiro está criando. O banco não pode continuar colocando capital em coisas nas quais o dono não acredita”, defende Izzo.

Neste cenário, a agenda 2030, da ONU, é vista como propulsora do movimento e oportunidade para investidores. 

O Global Steering Group assinou acordo com o Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) para atuarem em conjunto e impulsionarem a implementação dos ODSs (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável).

O objetivo é atuar mais de perto na visão compartilhada de que todo investimento deve ter uma visão de impacto por trás. Uma nova inteligência de mercado, o SDG Investor Maps, vai traduzir em oportunidades de investimento dados coletados pelo sistema ONU em cada país.

Ao fechar a cúpula global e anunciar a de 2020 na África do Sul, o lorde das finanças sociais despediu-se dos participantes em Buenos Aires pregando o início uma nova era da economia, a do impacto.

“O que não requer redução de lucros em favor do impacto”, entende Cohen, fundador da Associação Britânica de Venture Capital, o chamado capital de risco. “Esse novo modelo nos inspira a maximizar o lucro e o impacto em níveis normais de risco para o benefício da sociedade como um todo.”

Em seu livro “The Impact Revolution", o financista nascido no Egito, de onde saiu aos 11 anos como refugiado para se fixar no Reino Unido com a família, dá um testemunho de fé neste capitalismo 2.0.

“Consigo vislumbrar um mundo onde a desigualdade esteja diminuindo. Onde as reservas naturais sejam regeneradas e as pessoas possam se beneficiar de uma prosperidade compartilhada”, escreve Cohen, embaixador de uma nova economia capaz de gerar lucros para o planeta e os excluídos e também distribuir dividendos para os donos do capital.

Capitalismo 2.0

O pensamento financeiro evoluiu de um foco no lucro no século 19 para o de lucro + risco no século 20. Agora começa a se direcionar para o tripé risco + lucro + impacto, segundo o Global Steering Group, que estimula investimentos impulsionados por valores sustentáveis e orientados para impacto socioambiental

Volume de Investimentos de impacto no mundo

Em 2016 - US$ 114 bilhões 
Em 2017 - US$ 228 bilhões*
Em 2018 - US$ 500 bilhões** 
*Fonte: Global Impact Investing Network
**Fonte: Pesquisa Sizinz the Market 
 

Impact Bonds

O que é: Contrato de Impacto Social (CIS)-
Conceito: Trata-se da congregação de capital privado com o objetivo de alcançar objetivos sociais. O retorno financeiro do parceiro privado somente ocorre se os resultados pré-determinados forem alcançados.
Histórico: O primeiro CIS foi lançado em 2010 no Reino Unido. Desde então, 170 contratos desse tipo estão em execução em 35 países.

*A editora Eliane Trindade participou do GSG Impact Summit a convite do ICE (Instituto de Cidadania Empresaria) e do British Council

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