Eliane Trindade

Editora do prêmio Empreendedor Social, editou a Revista da Folha. É autora de “As Meninas da Esquina”.

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Eliane Trindade

Sucesso na Coreia do Sul, brasileiro supera racismo e expulsão de banda de K-pop

Nascido em SP, Victor Han se mudou com a mãe para Seul, onde foi descoberto por agência e estourou como youtuber após polêmica na TV

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Victor Han Baccic, 24, nasceu em São Paulo, mas se mudou para Seul quando os pais se separaram.

O pai brasileiro e a mãe sul-coreana se conheceram quando eram comissários de bordo da extinta Vasp.

Os laços com o Brasil rompidos ainda na infância só foram retomados quando Victor reencontrou pelas redes sociais o pai, após mais de uma década sem contato.

Cleto Baccic já era estrela de musicias de sucesso como "O Homem de La Mancha". Do outro lado do mundo, Victor começava a trilhar a carreira artística.

Baterista de uma banda com colegas de escola, ele foi descoberto por uma agência de talentos, parte da engrenagem da industria de sucesso do K-pop.

Uma história que foi parar nos tribunais, após a expulsão do brasileiro da recém-lançada banda AboutU, em meio a lances de rebeldia, ao quebrar a baqueta numa performance na TV, e racismo.

"Você não pode ser líder da banda com essa cor de pele", dizia o chefe. "Você tem cheiro de latino", reclamavam os colegas da banda.

Para se defender, o brasileiro criou um canal no YouTube que tem mais de 3 milhões de visualizações e virou sensação em programas da TV coreana.

A seguir o depoimento de Victor, "The Drummer Destroyer" (o baterista destruidor), como ele ganhou fama.

*

“Durante oito anos eu me preparei para o lançamento da minha banda de K-pop. Era contratado da agência Corona X Entertainment desde 2012.

Como acontece com todos os grupos que fazem sucesso nesse mercado na Coreia do Sul, os integrantes passam por longos períodos de treinamento até o lançamento.

Fui selecionado para um casting depois de ser visto tocando bateria em um showzinho com minha banda da escola em Seul, dentro de uma competição entre bairros.

Eu tinha 16 anos, quando assinei contrato com uma agência que ao longo desse tempo mudou de nome e de sócios várias vezes.

Depois de um ano esperando a formação da banda, chegou um guitarrista. Levou uns quatro anos para contratarem o vocalista. Somente em 2018, chegamos à formação completa da AboutU.

Nesses dois anos até o lançamento oficial, fizemos um EP e pequenos shows, enquanto preparávamos nosso primeiro álbum.

Nossa estreia foi em 20 de fevereiro deste ano, em um o show ao vivo na TV, mas já sem público por causa da pandemia.

Fiz uma série de apresentações com a AboutU até um incidente durante um programa de TV. No final da performance, eu quebrei as baquetas.

Fui despedido em 8 de março, depois de ser advertido por um dos chefes. Ele disse que meu comportamento era inaceitável e ia prejudicar a banda.

Argumentou que para os coreanos era uma atitude considerada violenta e não havia sido combinada antes. Li comentários na internet dizendo que eu estava louco ou drogado. Nunca usei drogas.

O chefe falou que por minha causa ia ser difícil a banda tocar novamente na TV. Usaram o episódio para me pressionar a sair da banda. Uma semana antes, descobri que Corona estava procurando novo baterista, sinal de que a quebra da baqueta era apenas uma desculpa.

Duas semanas antes, eles nos fizeram assinar um novo contrato pelo qual se um dos integrantes causasse problemas pagaria o prejuízo causado à banda.

A empresa decidiu me processar e me proibir de fazer shows e até de estar nas redes sociais. Entraram com uma ação judicial para me cobrar US$ 600 mil em multa.

Ganhei o processo em 6 de outubro, quando o juiz considerou que eu não devia nada para eles. Fiquei seis anos ensaiando sem receber. E ainda queriam que pagasse por um prejuízo de imagem que era mentira.

Por trás disso tudo, tem um contexto cultural importante. Eu já sofria assédio moral há algum tempo por causa da minha aparência mestiça, por ter a cor da pele mais escura que a dos demais integrantes.

Era comum eu ouvir: ‘Como vai colocar um latino na frente do palco? É melhor colocar o bonitinho’. No caso, o vocalista. Eu não tenho o estilo característico que faz sucesso no K-pop.

Já rolavam uns conflitos dentro da banda e na agência. Uns chefes quiseram me dar mais destaque, quando comecei a chamar atenção por meu visual diferente.

No clip da música de trabalho “Who Will Take my Candy”, eu fui escalado para fazer o par romântico. O baterista saía do fundo e vinha pra frente. Nas redes sociais, perguntavam: ‘Quem é o batera?’

Como mudava muito de chefe, alguns diziam na minha cara: ‘Ele não pode ser o líder da banda com essa cor de pele'.

No K-pop, os componentes das bandas têm a mesma aparência: meninos de pele muito branca, com traços bem marcados.

Quando fui escolhido para entrar na banda, eu era criança. A medida que fui crescendo, fiquei mais parecido com meu pai. Temos o mesmo queixo anguloso. Os meus traços orientais foram se suavizando.

Depois que saí da banda, nenhuma TV vetou minha participação. Pelo contrário. Fui chamado para vários programas. Antes de romper o contrato, eu era proibido de entrar nas redes sociais. Tinha um perfil privado, que meu pai administrava.

Depois, abri uma conta no Intagram e um canal no YouTube com mais de 500 mil assinantes e 3 milhões de visualizações, onde posto covers do BTS, a banda de maior sucesso do pop corenao, que virou fenômeno global.

Postei vários vídeos explicando que havia quebrado uma baqueta, não o pescoço de ninguém. Foi a minha virada.

Pretendo tocar minha carreira solo com uma pegada mais rock’n’roll, autoral. Tenho planos de gravar um CD solo ainda esse ano, estou fazendo as músicas e os clipes. Fui procurado por duas grandes gravadoras.

Agora me sinto livre para fazer o que quiser com minha carreira. Tenho trabalhando muito desde que ganhei fama como youtuber. No meio dessa confusão, fui convidado para ser garoto-propaganda da LG.

Liberdade que nunca tive na banda, onde os produtores davam a última palavra. Desde adolescente, eu ouvia deles que o único caminho para ficar famoso e ganhar dinheiro no K-pop era dentro daquele esquema.

Tanto que fiquei deprimido quando fui expulso da banda, achando que minha carreira tinha acabado.

Eu não gostava do tipo de música que a AboutU fazia. Ficamos dois anos ensaiando e eu não conseguia colocar minha assinatura em nada. Era um estilo definido pela empresa. Os outros três seguiam sem questionar.

Eu detestei a letra de duplo sentido da música de trabalho, achei machista, comparando as mulheres a um doce. Quando questionei, me responderam: 'O que você já fez na vida?'

Os caras da agência diziam que eu não sabia de nada, enquanto eles tinham 30 anos de experiência e fizeram dinheiro.

A gente tinha diferenças também fora do estúdio e do palco. Ouvia muito deles: 'Você tem cheiro de latino'.

Achava normal escutar esse tipo de coisa, não entendia como racismo. Depois, falando com pessoas de fora, vi que não é normal. Não era só bullying.

Sempre me chamavam de idiota, só que agora eu mostro com números que eu estava certo. Os caras da minha antiga agência podem ter feito sucesso há dez anos, mas agora quem está bombando na internet sou eu.

Estou provando que tocar de outro jeito é legal, que ser diferente é legal e que um latino, um brasileiro como eu, pode fazer sucesso na Coreia.

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