Reinaldo Azevedo

Jornalista, autor de “Máximas de um País Mínimo”

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Bolsonarismo nos devolveu à terra dos contrastes primitivos

Guedes já fala em prorrogar calamidade em caso de vitória

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O governo Bolsonaro nos devolveu às contradições e aos contrastes os mais primitivos. A economia ganhou um suspiro em razão da liberação pré-eleitoral de recursos e da alta das commodities pós-retomada da economia mundial, até que venha a ser alvejada pelas sucessivas elevações de juros -"as consequências vêm sempre depois"- e pelo risco de recessão global. De toda sorte, é um alento para uma parcela de brasileiros ao menos.

Os pobres "ficaram esfaimando" (apud Gregório de Matos) porque não tinham como enfrentar a inflação de alimentos, decorrente da alta demanda internacional pós-pandemia -que ajudou a fabricar "a alegria" do PIB, mas contribuiu para produzir fome e elevar a Selic, que vai cobrar seu preço em baixo crescimento, o que, por sua vez, pune muito especialmente os pobres. É um mecanismo que exclui os excluídos de sempre.

O presidente Jair Bolsonaro durante cerimônia em Brasília
O presidente Jair Bolsonaro durante cerimônia em Brasília - Lucio Tavora - 30.ago.22/Xinhua

Não tenho a menor ideia se o crescimento do PIB "acima do esperado" no segundo trimestre vai ter impacto importante na eleição. Os números do Datafolha só serão conhecidos depois do fechamento desta coluna. A elevação temporária de R$ 200 no Bolsa Família ("Auxílio Brasil" é bolsonarês), segundo outros levantamentos, não surtiu, até agora, entre os mais pobres, o efeito na intensidade esperada. Podem ter evitado (e nunca se saberá) números ainda piores para Bolsonaro. A pesquisa Genial-Quaest captou até certa irritação de parte importante do eleitorado com medidas na boca da urna.

Para surpresa de ninguém, governistas estão aplaudindo em êxtase o crescimento e anunciando amanhãs sorridentes, na certeza de que Paulo Guedes, como ele mesmo sugere, descobriu a Pedra Filosofal da economia. Na sua formulação, o mundo vai entrar em recessão, e o Brasil vai ter um ciclo longo de crescimento -uma coisa, assim, solitária, decorrente da sua genialidade. O acontecimento único poderia ser batizado de "Partenogênese do Crescimento", que não depende de outros parceiros.

Estivesse eu no comando da campanha dos adversários de Bolsonaro, não hesitaria em levar ao ar as declarações mais entusiasmadas dos representantes do governo a exaltar o seu milagre econômico. E, na sequência, os pobres seriam convidados a levantar do sofá e visitar a geladeira e o que, no meu interior, chamava-se "guarda-comida". Há algumas explicações que, numa exposição teórica, requerem certos pressupostos abstratos que podem soar incompreensíveis. Não obstante, eles encontram tradução na carnadura concreta da vida. "Quando foi a última vez em que sua criança tomou iogurte?" Não há que se menosprezar o crescimento do PIB. É preciso lhe dar visibilidade máxima.

Sim, são paradoxos que muitos já julgávamos vencidos pela marcha civilizatória. Eles não se resumem a esse crescimento que se explica, em boa parte, pelos truques de estímulos artificiais ao consumo e pela demanda internacional, que já está em queda e que convive com a volta da fome em massa. Retornamos àquele passado em que se perguntava: "Crescimento para quem?".

Depois das duas PECs pré-eleitorais, que sucederam a dos precatórios, tudo escancaradamente ilegal e fura-teto, Guedes, o da Pedra Filosofal, agora especula sobre decreto de calamidade para manter o Bolsa Família em R$ 600, embora a peça orçamentária preveja R$ 405. E o faz daquele seu jeito despachado: "É evidente que nós vamos pagar. Tem uma solução temporária. Se a Guerra da Ucrânia continua, prorroga o estado de calamidade, e aí você continua com R$ 600".

Como é mesmo aquela história de que "os mercados gostam de previsibilidade"? A única coisa previsível nesse governo é a certeza de que os valentes podem fazer qualquer coisa para evitar a alternância do poder. Observem que não tratam opositores como adversários, mas como inimigos. Em essência, criminalizam a democracia. Bolsonaro afirmou em Curitiba, na quarta, que o poder não emana do povo, "a não ser que ele escolha bem seus representantes".

Eis o modelo que deriva do que Guedes chama de união de liberais e conservadores. Como já escrevi aqui, esta eleição já se dá sob o signo da excepcionalidade porque sob o impacto de ilegalidade. Outubro vem aí, na terra dos contrastes primitivos.

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