Reinaldo Azevedo

Jornalista, autor de “Máximas de um País Mínimo”

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Reinaldo Azevedo

Jornalismo só de oposição é partido; e ainda Márcia Sensitiva e os analistas

Marcio Pochmann no IBGE não me entusiasma, mas calma lá!

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Já sou velho o bastante para exigir que governos façam tudo o que quero, ou, então, porrada! —eventualmente engatando a máxima de Millôr Fernandes, segundo a qual "imprensa é oposição; o resto é armazém de secos & molhados". Sem contexto, a divisa é uma tolice. Quem, por "dever de oposição", atacou a recriação de programas sociais na gestão Lula comportou-se como cliente da... vendinha bolsonarista. Pode? Mesmo no terreno das coisas lícitas (na hipótese de que sejam), "nem tudo me convém", como escreveu um certo Paulo.

Não sei em que ano Millôr fez tal afirmação, mas é provável que falte um regime militar, ou sua herança, para lhe conferir o sentido original. Se jornalismo for só oposição, então é partido. Imprensa há de ser apego aos fatos, sempre considerando que o viés ideológico é imanente à atividade já na definição da pauta. E o jornalismo fotográfico? Lembro as reflexões de Roland Barthes em "A Câmara Clara", seu último livro. Ele chama a atenção para o "punctum" — o ponto, o pedaço de um todo —, que o fotógrafo não viu e que só ganha sentido pelos olhos do "spectator", do "contemplador". Também no caso de um texto, é impossível saber exatamente o que lê um leitor.

O presidente Lula durante cerimônia na base aérea de Brasília - Gabriela Biló - 20.jul.23/Folhapress

Quando se entra na seara da opinião, as coisas se complicam. Afinal, o analista parte de um recorte, ditado por seu conjunto de valores; é dotado de quereres e faz prefigurações. No capítulo das previsões, pode-se estabelecer alguma medida objetiva: ou aconteceu ou não aconteceu aquilo que ele anteviu como fatal.

Parece-me que parte dos analistas econômicos anda a operar com uma margem de erro bastante superior à dos astrólogos. Como estes atuam na esfera da linguagem simbólica e profetizam no território das metáforas e dos conceitos consolidados (sabemos como é um leonino...), é, definitivamente, o "spectator" quem determina o conteúdo de uma predição astrológica, sempre uma "obra aberta".

Pergunto-me se, na ânsia de fugir do "armazém de secos & molhados" —e Millôr não tem nada com isso—, a objetividade possível não está sendo muitas vezes ignorada em nome de convicções e vocações missionárias, como se a política brasileira devesse ser submetida a uma espécie de expedição civilizatória, ditada pela Razão, a maiúscula, oriunda do Empíreo. Ou do "Manual do Perfeito Idiota Liberal Latino-Americano". Quem perde é a precisão.

Márcia Sensitiva antecipou sobre Lula e seu governo, no canal "Diva Depressão", no dia 30 de dezembro de 2022: "Ele estava no ano sete e vai entrar no oito no ano que vem. São os dois melhores anos da vida dele pra grana, pra sorte, pra tudo. (...) Eu só sei que ele vai ter de se tratar muito a partir do meio do ano, tá? (...) Depois de abril, as coisas melhoram para o Brasil. Você imagina o sistema nervoso de um homem desse, ainda mais que ele é do signo de escorpião (...). No começo, a gente vai dançar um pouco, mas as coisas entram no eixo". Até aqui, acertou mais do que algumas Cassandras às avessas, especialistas no próprio método. Uma análise é sempre parcial, como deixo claro. Mas não pode ser arbitrária.

No meu "De Senectute" particular, relevo os limites da realidade e justifico sem sofismas, por exemplo, a eventual entrada do PP e do Republicanos no governo. Para quê? Fosse para um biltre se livrar do impeachment, este levaria porrada, como já levou. Se for para aprovar reformas que ficariam pelo meio do caminho sem o centrão, que se faça. Na lojinha de que sou freguês, inexiste sonho sem feijão.

Para registro: já critiquei duramente, no passado, o economista Marcio Pochmann e não vejo ainda motivos para elogiá-lo. Se e quando vir, eu o farei. Mas evocar até risco de "argentinização" porque ele vai assumir a presidência do IBGE e poderia, especula-se, manipular números da economia é um despropósito. Querem o quê? A impossível prova da inocência antes mesmo do eventual crime? Ademais, o Brasil dispõe de instrumentos vários para detectar eventuais distorções. Quem tratou o instituto aos chutes —o Censo só foi realizado por ordem do STF— foi Paulo Guedes, a serviço do balcão bolsonarista de quinquilharias. Não se ouviu metade da gritaria de agora.

Pode? Pode. Mas, mesmo no terreno das coisas lícitas, "nem tudo me convém".

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