Reinaldo José Lopes

Jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de "1499: O Brasil Antes de Cabral".

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Reinaldo José Lopes
Descrição de chapéu dinossauro

O micróbio que derrotou o titã

Brasileiros identificam pela 1ª vez parasitas preservados em osso de dino

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Machões ignorantes podem esbravejar à vontade, mas o fato é que não há força bruta ou valentia que resista à presença de um micróbio suficientemente maligno no organismo do cidadão.

Como este ano da desgraça de 2020 demonstrou com requintes de crueldade, inimigos microscópicos são perfeitamente capazes de colocar a civilização moderna de joelhos —e o mesmo valia até para os dinossauros.

Imagens de tomografia e microscopia do interior de um dos ossos desses monstros estão aí para corroborar o que digo. Paleontólogos brasileiros identificaram uma doença óssea das bravas numa das patas traseiras de um titanossauro, membro de um grupo de herbívoros pescoçudos de grande porte que era muito comum no interior do Brasil há 85 milhões de anos.

E, dentro do fragmento da tíbia (equivalente ao osso da lateral da perna em humanos), a equipe flagrou fósseis dos micro-organismos que causaram a moléstia.

Trata-se de um feito inédito, conforme contam os pesquisadores em artigo na revista científica “Cretaceous Research” —é a primeira vez que alguém consegue flagrar parasitas preservados dentro do osso de um dinossauro.

O quinteto responsável pelo feito é formado pelo casal Aline Ghilardi (da Universidade Federal do Rio Grande do Norte) e Tito Aureliano (da Unicamp) e inclui ainda Marcelo Adorna Fernandes e Carolina Nascimento (da Universidade Federal de São Carlos) e Fresia Ricardi-Branco, também da Unicamp.

As primeiras pistas da descoberta vieram quando Ghilardi notou que a fíbula do titanossauro, achada no interior paulista, tinha caroços esponjosos em sua superfície, que poderiam ser lesões ou sinais de câncer (de fato, já foram identificados alguns dinos que sofriam da doença).

Uma tomografia computadorizada, conduzida por Aureliano na Escola de Medicina da USP, revelou que o diagnóstico correto era o de osteomielite aguda, quando o osso é infectado por micro-organismos.

Tudo indica que o caso do titanossauro era sério. A estrutura do osso indica que ele era um animal já idoso, cuja tíbia foi, em grande parte, destruída por lesões que se propagavam da parte mais interna da estrutura óssea até a superfície.

Para alcançar esse estágio, a doença deveria estar causando muita dor ao bicho, levando à formação de caroços e feridas superficiais que chegavam a expelir pus, diz Aureliano, que chega a comparar a aparência do herbívoro à de um zumbi.

A maior surpresa veio quando a equipe percebeu a presença de pequenas estruturas fossilizadas no interior dos vasos sanguíneos do osso.

Carolina Nascimento, que é paleoparasitóloga (especialista em organismos parasitários do passado), acabou conseguindo detectar mais de 70 desses microfósseis de formato alongando, os quais, segundo o grupo, correspondem a parasitas do sangue —um processo relativamente rápido de fossilização teria permitido a preservação deles dentro da fíbula de titanossauro.

Os pesquisadores estão conduzindo mais análises para tentar confirmar de vez que tipo de parasita poderia ter causado lesões tão severas na estrutura óssea do gigante.

De qualquer modo, o trabalho abre uma série de possibilidades intrigantes, do estudo da história evolutiva profunda das doenças infecciosas a implicações para a medicina do presente —isso porque, mesmo em estudos modernos da osteomielite, ainda não se havia estudado o efeito celular da doença com tantos detalhes.

Não que isso sirva de consolo para o sofrido titanossauro, é claro. Que a terra lhe seja leve.

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