Reinaldo José Lopes

Jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de "1499: O Brasil Antes de Cabral".

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Andar bípede do ser humano pode ter começado no alto das árvores, e não no chão

Estudo acaba de ser publicado na revista especializada Science Advances

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Caso ainda não tenha reparado, gostaria de lembrar que você pertence a uma espécie esquisitíssima de primata. Para começo de conversa, a conformação peculiar de nosso esqueleto faz com que passemos a maior parte da vida andando por aí apoiados em apenas duas pernas, em vez de usar os quatro membros, como todos os outros primatas decentes e com a cabeça no lugar.

Para cúmulo do escândalo, ninguém é capaz de dizer com certeza como, afinal de contas, acabamos nos metamorfoseando nessa esquisitice da natureza. Não me entenda mal: os fósseis que documentam as transformações nos ancestrais da humanidade são cada vez mais abundantes e bem estudados, e está claro que, entre 6 milhões de anos e 3 milhões de anos atrás, alguns dos grandes símios africanos da nossa linhagem foram deixando de ser quadrúpedes e adotaram a locomoção bípede com cada vez mais afinco. O problema é entender os mecanismos que produziram essa mudança.

Fêmea de bonobo com seu filhote no zoológico de Wilhelma, em Stuttgart, na Alemanha - Franziska Kraufmann - 23.abr.2013/AFP

Uma hipótese que fez sucesso durante muitos anos correlacionava a origem do andar com duas pernas à expansão das savanas —áreas de vegetação aberta— na África. A lógica por trás disso era simples e intuitiva. Primeiro, sabemos que chimpanzés, bonobos e gorilas, nossos parentes mais próximos, em geral são bichos de mata tropical fechada e úmida. Em segundo lugar, esse tipo de habitat encolheu no território africano nos últimos milhões de anos, graças a mudanças geológicas e climáticas que ressecaram boa parte do continente.

Faria sentido, portanto, que alguns grandes símios que enfrentaram essas alterações tivessem reagido ao recuo das matas por meio de um estilo de locomoção que fosse mais eficiente em espaços abertos. Acredita-se, por exemplo, que a postura bípede minimiza a exposição do corpo aos raios solares em ambientes como a savana.

Os mais antigos fósseis da linhagem dos hominínios (a que daria origem aos seres humanos modernos) vêm de ambientes em que parecem ter predominado áreas florestais mais "ralas", no meio do caminho entre uma mata tropical e uma savana com vegetação rasteira. A ideia, portanto, é que a locomoção bípede poderia ter começado como mecanismo para que esses ancestrais se deslocassem entre manchas de vegetação arbórea, talvez caminhando pelo chão em trechos curtos.

Acontece que o mundo de hoje ainda abriga um possível modelo para o que seria essa vida dos primeiros hominínios: chimpanzés que passam boa parte do seu tempo numa savana arbórea. Pesquisadores da Universidade de Kent, no Reino Unido, decidiram estudar em detalhes a locomoção dos bichos no vale de Issa (oeste da Tanzânia). O objetivo era investigar se a presença da vegetação mais aberta de fato funciona como incentivo para passar mais tempo no chão e se locomover de forma bípede.

Os resultados da pesquisa, coordenada por Rhianna Drummond-Clarke, acabam de sair na revista especializada Science Advances. E, veja você, eles vão na contramão do que se esperava. Os chimpanzés de Issa se locomovem menos tempo no chão do que seus companheiros de espécie de algumas matas fechadas. E tendem a assumir postura bípede no alto das árvores, e não no chão.

Ao que tudo indica, eles fazem isso para aproveitar ao máximo os frutos distribuídos de forma concentrada em menos árvores no ambiente de savana. Se os dados forem representativos do que acontecia com os primeiros hominínios, a vida bípede pode ter se iniciado, paradoxalmente, nas árvores, antes de conquistar o chão.

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