Reinaldo José Lopes

Jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de "1499: O Brasil Antes de Cabral".

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Reinaldo José Lopes

A ficha do aquecimento global vai cair?

Um dos grandes problemas é que continua fácil empurrar a situação com a barriga

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Se você não anda pelas ruas com um tiquinho de frio na barriga e a leve sensação de que todos andamos sambando à beira de um precipício, talvez seja o caso de pensar melhor.

Parece haver algo de ficção científica ruim no fato de que a sensação térmica em certos pontos do Rio de Janeiro ter quase chegado a 60°C nos últimos dias. Ou na constatação de que, dos dez anos mais quentes já registrados desde que medições confiáveis começaram, todos aconteceram de 2010 para cá. (Aliás, os "top 5" da lista aconteceram de 2015 em diante.) Dá até saudade do tempo em que negacionistas diziam que "o aquecimento global parou depois do ano 2000".

Duas semanas atrás, escrevi nesta Folha sobre o alerta dado por uma equipe internacional de pesquisadores na revista "Science". De acordo com eles, estamos nos aproximando de um "ponto de virada irreversível para a Amazônia".

Trocando em miúdos, não se pode mais descartar a possibilidade de que a combinação da crise climática global com a devastação local, na base de correntão e queimadas, altere de modo irremediável a interconexão entre florestas, chuva e clima na região Norte. (O principal elemento dessa conexão é o fato de que a Amazônia recicla constantemente cerca de metade da própria chuva, que corresponde, grosso modo, à floresta "suando", a evapotranspiração.)

Atingido o tal ponto de virada, esse elo se quebra, o regime de chuvas e a temperatura média ganham um perfil qualitativamente diferente do que existia e, no lugar da mata biodiversa, surge uma savana empobrecida. Gostaria de poder dizer que será divertido ver o perereco do agronegócio pistoleiro da Amazônia confrontado com metade da chuva atual e temperaturas médias 4°C/5°C mais altas —mas seria uma satisfação autodestrutiva, que não leva a lugar nenhum. Nesse cenário, ninguém há de rir por último.

A pergunta que todo o mundo deveria fazer neste momento é: "A ficha vai cair? Quando?".

Um dos grandes problemas da emergência climática, para quem quer evitar suas versões mais feias, é que, no curto prazo, é fácil empurrar a situação com a barriga. Não estamos falando de um Apocalipse pontual que num momento definido do futuro vai despejar fogo e enxofre sobre os pecadores.

Em vez disso, estamos diante de um processo que é relativamente longo na escala de tempo de uma vida humana, mas velocíssimo se comparado a qualquer ritmo geológico natural. Um processo que há de produzir um mundo mais pobre, mais inseguro, mais desumano e mais feio para quase todas as formas de vida, que evoluíram para se adaptar ao mundo que existia até 150 anos atrás.

A não ser, é claro, que essa ficha caia.

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