Reinaldo José Lopes

Jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de "1499: O Brasil Antes de Cabral".

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Reinaldo José Lopes

O peixinho no espelho

Peixe-limpador se reconhece no espelho porque tem imagem mental de si mesmo, diz estudo

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Houve um tempo em que a capacidade de se reconhecer no espelho conferia acesso a uma espécie de Olimpo da inteligência animal. Para passar nesse teste, era preciso ter, no mínimo, um cérebro relativamente avantajado; outros pré-requisitos desejáveis para a vaga eram o parentesco evolutivo estreito com os seres humanos e, mais subjetivamente, certa fofura.

Foi assim que grandes símios como chimpanzés e gorilas se tornaram os primeiros da lista, seguidos, após algumas décadas, pelos golfinhos. Depois foi a vez dos elefantes —OK, cérebro grande, mamíferos, fofos; tudo certo, né? Aí vieram as pegas, uma ave aparentada aos corvos (beleza, corvídeos como elas são proverbialmente inteligentes). E, claro, os bodiões-limpadores (Labroides dimidiatus).

Peraí, quem?

Estamos falando de um peixe de uns 10 cm de comprimento. Figura simpática, até, prateada e azulada, com uma faixa escura que corta a lateral do corpo desde a boca até a cauda. Presente nos oceanos Índico e Pacífico, a especialidade do bicho é fazer "skincare" em peixes muito maiores do que ele, retirando parasitas e pedaços de tecido morto da pele e das guelras de seus "clientes". Excelente negócio para ambas as partes: os peixões ganham uma cútis mais saudável, os bodiões-limpadores adquirem um almoço sem grandes dores de cabeça.

Os peixes-limpadores ou bodiões-limpadores são peixes de 10cm que reconhecem sua imagem no espelho porque têm imagem mental de si mesmos
Os peixes-limpadores ou bodiões-limpadores são peixes de 10cm que reconhecem sua imagem no espelho porque têm imagem mental de si mesmos - Matthias Kleine/Wikimedia Commons

O teste do espelho no qual o peixinho passou segue um modelo estabelecido desde os primeiros estudos com chimpanzés. O animal é sedado e, usando tinta, os cientistas desenham uma pinta artificial numa parte bem visível do corpo do bicho. Depois, colocam um espelho de bom tamanho e em posição estratégica no recinto (ou, no caso, aquário). Se o bicho acordar, olhar para o espelho e começar a tocar a falsa pinta enquanto se examina, é sinal de que ele sabe, de alguma maneira, que o reflexo do outro lado "é ele".

Alguns pesquisadores costumam dar a proverbial baixada de bola nesses resultados. Eles propõem que a reação de tocar a pinta não necessariamente significa algum tipo de autocompreensão —"esse aí sou eu" — mas um simples mecanismo de acoplamento visual cinestésico. Ou, em português: o animal é apenas capaz de ver movimentos no espelho e "acompanhá-los" mentalmente.

Um novo e engenhoso estudo, coordenado por Masanori Kohda, da Universidade da Cidade de Osaka, no Japão, deu um jeito de contornar isso substituindo o espelho por fotografias —as quais, como sabemos, são estáticas, o que contorna a ideia do acoplamento cinestésico.

Na pesquisa, que acaba de sair na revista PNAS, Kohda e seus colegas trabalharam primeiro com peixes que já tinham passado no teste do espelho. Esses bodiões não atacavam fotografias de si mesmos, mas ainda atacavam as de peixes estranhos. E, o que é ainda mais curioso, peixes que reconheciam as próprias fotografias tentavam "tirar a pinta" do corpo quando as fotos eram marcadas com as pintinhas falsas.

Para os pesquisadores japoneses, a explicação mais plausível é que os bodiões-limpadores de fato são capazes de desenvolver uma "autoimagem" na cabeça. E eles propõem ainda que algo assim pode ser muito mais comum entre peixes e outros vertebrados do que imaginamos.

Portanto, não estaríamos falando de um clube seleto de gênios animais, mas de algo que talvez seja uma propriedade fundamental da cognição de muitos dos ramos vizinhos ao nosso na Árvore da Vida. Não há espelho melhor que esse.

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