Reinaldo José Lopes

Jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de "1499: O Brasil Antes de Cabral".

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Reinaldo José Lopes

Estudo mostra 'dívida de extinção' de árvores da mata atlântica

Declínio rápido de espécies em poucas décadas coloca até as numerosas em risco

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

"Dívida de extinção": imagino que a maioria dos leitores desta coluna ainda não tenha tido o desprazer de encontrar tal exemplo de crueldade terminológica. Bem, foi essa expressão que ficou rondando a minha cabeça após a leitura de um importante artigo científico publicado nesta semana por pesquisadores brasileiros.

O tema do trabalho, coordenado por Renato Ferreira de Lima, da USP de Piracicaba, é o esmtado de conservação das árvores da mata atlântica. As conclusões principais do estudo já foram explicadas com brilhantismo em reportagem do colega André Julião, da Agência Fapesp. Em suma, 82% das mais de 2.000 espécies arbóreas consideradas endêmicas do bioma (ou seja, que só existem na mata atlântica, e em nenhum outro lugar do mundo) correm ao menos algum risco de desaparecer para sempre.

Araucárias, uma das milhares de espécies de árvores da mata atlântica em risco de extinção
Araucárias, uma das milhares de espécies de árvores da mata atlântica em risco de extinção - Renato Soares/MTur

A mata atlântica é um conjunto de ecossistemas ao mesmo tempo tão importante para a história do Brasil, e tão maltratado por gerações e gerações de brasileiros, que vale a pena abordar em mais detalhes alguns dos conceitos por trás da pesquisa. E isso nos leva de volta à tal "dívida de extinção".

Como Lima e seus colegas explicam no artigo que saiu na revista Science, classificar espécies nos diferentes níveis de risco de extinção é feito seguindo os critérios estabelecidos pela chamada Lista Vermelha da IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza).

Esses critérios incluem coisas como o declínio populacional de uma espécie, o fato de que ela está restrita a um território muito pequeno ou o de que sua população é muito pequena, mesmo que não tenha declinado muito. Usar os critérios do território e da população pequenos, explicam os pesquisadores, distorceria as avaliações de conservação das árvores da mata atlântica.

Isso porque muitas delas ainda ocorrem em áreas amplas, somando, em sua grande maioria, um número de indivíduos superior aos 10 mil, considerado um limiar importante de risco de extinção. Mas seria um grande erro considerar que essas espécies vivem uma situação relativamente tranquila, porque muitas delas passaram por uma queda populacional brutal (por vezes, de 90%) há relativamente pouco tempo.

"A maior parte das perdas de área da mata atlântica ocorreu entre os últimos 70 anos e 50 anos, o que, para muitas espécies de árvores, corresponde a duas ou três gerações", escrevem os autores do estudo. "Assim, apesar do desmatamento menor hoje, os efeitos da perda de habitat, da fragmentação e da exploração madeireira seletiva sobre essas espécies de vida longa podem não ter tido tempo suficiente para se expressar."

É por isso que não há contradição nenhuma, por exemplo, entre a aparente abundância das araucárias —uma das espécies mais emblemáticas do bioma— na região Sul e seu risco de extinção. A fragmentação florestal, ou seja, o retalhamento das matas originais em inúmeros pedacinhos num mar de áreas agrícolas e urbanas, faz com que aglomerados de araucárias e de outras espécies não passem de ilhas genéticas. Sem capacidade para se conectar com outras populações e trocar genes com elas, no longo prazo elas tendem a perder diversidade, definhar e desaparecer.

É essa a dívida de extinção que paira sobre a mata atlântica. Mas o grande erro é agir como se fosse impossível cobrir esse "cheque especial" cujo rombo foi criado pela nossa imprevidência. O trabalho publicado na Science mapeia com precisão o problema. Estratégias para reconectar os fragmentos da floresta podem desfazer parte considerável do estrago, e às vezes, para isso, basta deixar a mata se reconstituir sozinha. Renegociar essa dívida traria para os brasileiros riquezas cada vez mais escassas no mundo de hoje: solo fértil, água limpa e a herança de milhões de anos de evolução, que dinheiro algum é capaz de comprar.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.