Renata Mendonça

Jornalista, comenta na Globo e é cofundadora do Dibradoras, canal sobre mulheres no esporte.

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Renata Mendonça

O que não deveria ser natural, no esporte e na sociedade

Há muitos negros protagonistas no futebol, mas quase todos dentro de campo

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Antes de escrever esta coluna, fiz uma reflexão —que vale para todos os que estão lendo.

Ao longo da sua vida, quantas pessoas negras fizeram parte da sua trajetória? Na escola, quantos colegas negros você teve? No esporte que praticava ou pratica, algum negro ou negra já foi seu treinador? No seu trabalho, quantos chefes negros você já teve? E nos lugares que frequenta, você encontra pessoas negras? Elas estão servindo ou curtindo da mesma maneira que você? Como mulher branca, minhas respostas pra essas perguntas são quase sempre “nenhum”.

No futebol, vão dizer, já é diferente. Há muitos negros protagonistas, inclusive o rei de todos eles, Pelé. Mas é como se em apenas um lugar esse protagonismo fosse permitido: dentro de campo.

Como técnicos, são raros. Como dirigentes, são raríssimos. E se a gente ampliar a discussão para mulheres negras, vamos perceber que nossa visão racista do esporte nem sequer permite enxergá-las.

Quantas atletas brasileiras negras de destaque conseguimos listar? Dez? Vinte? Nem isso? Vamos falar das jornalistas esportivas, então. Se já é difícil ver mulheres nessa função, vamos tentar pensar em quantas negras conhecemos ocupando esse espaço. De quantas você conseguiu se lembrar?

Num país onde 56% da população é negra (dados da Pnad), nós, brancos, nos acostumamos a não ver pretos mandando —só obedecendo. Passamos a vida toda achando “normal” ver negros como garçons e “estranho” quando o dono de um restaurante se apresenta e ele é negro. Aplaudimos a beleza e o gingado da mulher negra no Carnaval, mas atacamos a apresentadora negra do jornal.

Baiano era um dos poucos técnicos negros do futebol profissional paulista em 2019. Ele comandava o Taboão da Serra
Baiano era um dos poucos técnicos negros do futebol profissional paulista em 2019. Ele comandava o Taboão da Serra - Adriano Vizoni-15.fev.19/Folhapress

Na onda de protestos que ganhou mais força mundialmente após a repercussão da morte de George Floyd (e é importante lembrar que, no Brasil, temos um caso desses a cada 23 minutos), vi um debate em que o jornalista Breiller Pires chamou a atenção para algo que eu nunca havia notado: sempre perguntamos a treinadores, repórteres, dirigentes negros sobre a falta de oportunidade para eles nessas funções. Mas por que não perguntamos o mesmo para treinadores, repórteres e dirigentes brancos?

O incômodo com o racismo não pode ser só do negro. É papel de todos nós, inclusive dos brancos, que já têm mais voz pelo privilégio de sua cor, questionar a ausência de negros em todos esses espaços. Ou estaremos sendo coniventes com o sistema racista.

Em uma entrevista das Dibradoras com a filósofa, escritora e colunista da Folha Djamila Ribeiro, ela disse que cresceu com pouquíssimas referências de mulheres negras no esporte. Lembrou até que chegou a se identificar mais com a seleção de Cuba em jogos de vôlei por ver ali mulheres da mesma cor que ela.


“Sempre colocam as mulheres negras como referências para coisas negativas. Imagina o que é você crescer num país em que pessoas como você nunca estão em lugares de destaque, de pessoas que fizeram história. Isso afeta a construção da nossa subjetividade. As pessoas brancas não entendem que têm referências o tempo todo. Se elas vão para a universidade, a maioria das pessoas são como elas. Na TV, a maioria das pessoas são como elas. Não percebem o quão violento é a gente crescer num país onde se sente estrangeira.”

No último sábado, celebrou-se o dia da mulher negra latino-americana e o dia nacional de Tereza de Benguela. Eu não sabia da existência dessas datas, mas é cada vez mais importante ter dias marcados para lembrar que a história delas é também de luta e conquistas. Num país de maioria negra, natural mesmo seria ver pretos ocupando todos os espaços do esporte e da sociedade.

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