Renata Mendonça

Jornalista, comenta na Globo e é cofundadora do Dibradoras, canal sobre mulheres no esporte.

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Aviso aos grupos de amigos do futebol - Mamãe Falou: não somos rivais, somos a revolução

Depois de muito tempo, finalmente podemos dizer que não estamos sozinhas

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Não cheguei a ouvir o áudio do deputado Mamãe Falei, mas só a transcrição já revirou meu estômago. Coloco aqui algumas das frases mais perversas dele.

"A fila das refugiadas, irmão. Imagina uma fila de, sei lá, de 200 metros ou mais, só deusa. Se pegar a fila da melhor balada do Brasil, na melhor época do ano, não chega aos pés da fila de refugiados aqui. [...] Eu estou mal cara, não tenho nem palavras para expressar. Quatro dessas eram minas que você, se ela cagar, você limpa o c* dela com a língua. Assim que essa guerra passar, eu vou voltar para cá."

Ele se justificou bastante sobre a atitude. Duas coisas me chamaram atenção nas "desculpas". Mamãe Falei disse que "estava num momento de empolgação" –difícil imaginar alguém empolgado ao visitar um cenário de guerra, né?– e que as mensagens haviam sido enviadas para um "grupo de amigos do futebol".

Evento de filiação de Arthur do Val ao Podemos, com a presenca de Sergio Moro
Mamãe Falei é deputado estadual de São Paulo - Adriano Vizoni - 26.jan.2022/Folhapress

Ah, os grupos de amigos do futebol. E, veja, esse detalhe é importante, porque grupos criados para falar mesmo de futebol não são os grupos em que rolam esse tipo de mensagem. Eu tenho alguns deles no celular, inclusive. Grupo que é para falar de futebol aceita mulheres que também querem falar de futebol. Grupos como esse mencionados pelo Mamãe Falei são para falar e compartilhar p****** (conteúdos sexuais expondo mulheres).

Os homens ficaram perplexos com esses áudios (quem não ficou?), mas não sei se eles já perceberam que fazem parte de conversas com exatamente o mesmo teor misógino. Claro que, quando se acrescenta o contexto de guerra, a perversidade fica ainda mais evidente. Mas quem de vocês, homens, nunca ouviu histórias de amigos que se aproveitaram de mulheres bêbadas, drogadas, deprimidas ou em alguma situação de vulnerabilidade para transar e contar vantagem no grupo de vocês?

Nas redações esportivas onde trabalhei, já ouvi muitas dessas conversas entre os "amigos do futebol". Pior, em algumas oportunidades, eu ouvi e silenciei. Ou dei risada. Para ser aceita no grupo dos homens, a gente, que era tão sozinha nesse mundo do esporte, já fez de tudo.

Mas hoje eu posso dizer que encontrei meu "grupo do futebol". Ainda somos poucas, é verdade, bem menos do que deveríamos ser, mas hoje posso dizer que "somos" juntas. Engraçado porque sempre nos ensinaram que éramos rivais. Que a gente tinha que competir umas com as outras. Que a gente tinha que reclamar que a fulana conseguiu isso ou aquilo, mas quem deveria estar ali era você. E por algum tempo nossa ingenuidade nos fez acreditar em tudo isso. Se a gente brigar entre nós, afinal, o espaço continua sendo todo deles.

Mas, na luta, a gente se encontrou. E percebemos que era mais fácil silenciar uma voz isolada do que dezenas, centenas de vozes gritando. Que compartilhar nossas dores nos fazia mais fortes para enfrentá-las. Para superá-las. Para dizer chega aos assédios, abusos e silenciamentos que sofremos todos os dias.

E hoje a gente não tem só o "grupo do futebol", das mulheres que se fortalecem na luta por espaço nesse meio tão machista. A gente se tem. E nem precisa se conhecer.

Fui a um bar em São Paulo na sexta-feira (4) e presenciei o que todas já vivenciamos. Um homem partindo para cima de uma mulher –que estava sentada com outras três amigas– gritando, xingando, ameaçando. Das cinco mesas ao redor, quatro eram de mulheres. Todas nós reagimos. Pedimos para o gerente do bar retirar o homem, visivelmente alterado, mas continuaram servindo cerveja para ele. Nós não nos conhecíamos, mas ficamos todas ali, até que a polícia viesse retirar o dito cujo.

Finalmente podemos dizer: não estamos sozinhas. Não somos rivais, somos a revolução. Feliz #8M.

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