Renata Mendonça

Jornalista, comenta na Globo e é cofundadora do Dibradoras, canal sobre mulheres no esporte.

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Descrição de chapéu
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Nós, pessoas brancas, precisamos combater atos racistas sem clubismo

Se fosse um jogador do Fluminense a vítima de ofensa racial, como foi Gabigol, o presidente tricolor teria a mesma opinião?

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Este texto é para aqueles que, como eu, foram beneficiados no nascimento por virem ao mundo com "a cor certa". Se você acha que esse conceito não existe, faça uma pesquisa no Google sobre as mortes "por engano". Curiosamente, as vítimas são sempre pretas, já reparou? Mexeu na mochila, colocou a mão no bolso, agiu como suspeito… suspeito por quê? Pela cor. E só.

Na mesma semana em que o assassinato brutal de Moïse num quiosque no Rio de Janeiro repercutiu, e que um homem negro foi assassinado no prédio onde morava por um vizinho sargento que o "confundiu" com um assaltante, vemos no futebol um dos principais jogadores do país sofrer ataques racistas quando ia para o vestiário no intervalo do Fla-Flu.

Aprendi com o professor Silvio Almeida que, tratar casos assim como "isolados", exigindo apenas a punição aos indivíduos que cometeram tais atos sem fazer uma reflexão mais aprofundada sobre o que cada um desses crimes significa, é um erro.

Gabigol, atacante do Flamengo, em treino da equipe rubro-negra
Gabigol, atacante do Flamengo, em treino da equipe rubro-negra - Marcelo Cortes - 14.set.2021/Flamengo

"Olhar o racismo do prisma individualista é tentador porque, além de mais simples e quase intuitivo, permite rápida identificação de uma causa ou um ‘culpado’. As soluções também parecem mais fáceis: educação ou judicialização. São medidas circunstancialmente necessárias, mas que equivalem a enxugar o chão com a torneira aberta. Entretanto, se o racismo for entendido de forma complexa, a ‘luta por direitos’ e a ‘educação antirracista’ tornam-se apenas duas táticas no interior de múltiplas estratégias que o combate ao racismo deve mobilizar", escreveu ele.

Obviamente não sou especialista em questões raciais, mas busco cada dia mais aprender sobre elas. E acho que isso é o mínimo que nós, brancos, deveríamos nos propor a fazer se realmente quisermos ser parte da luta antirracista –lembrando que o racismo foi um problema criado pelos brancos, então é nosso dever combatê-lo. O que mais nos falta nesse processo todo é o básico: OUVIR.

Quando o presidente do Fluminense, Mário Bittencourt, diz que o clube está apurando os fatos, porque o vídeo divulgado com as ofensas a Gabigol era "inconclusivo", segundo ele, eu me pergunto: será que, se fosse um jogador do Fluminense a vítima, o presidente teria a mesma opinião? Qual é a conclusão que se tira quando se ouve torcedores gritando "macaco" para um jogador negro descendo para o vestiário?

Não é só o Fluminense. Há não muito tempo, o meio-campista Gérson, então no Flamengo, denunciou ter ouvido ofensas racistas de Juan Ramírez, então jogador do Bahia, e a conclusão do clube baiano após apuração foi que "houve inexistência de provas". Um dos clubes mais ativos nas redes sociais sobre a temática antirracista colocou em dúvida a alegação do jogador negro do time adversário. Se fosse o contrário, será que a atitude seria a mesma?

Mesmo com o vídeo mostrando os gritos de "macaco" para Gabigol, o presidente do Fluminense tratou a situação como "suposto caso" de racismo, "supostas ofensas racistas", colocando também em dúvida o que o jogador alegava e o que as imagens diziam.

E ainda disse que "sente a dor do racismo porque sua mulher é negra". Um subterfúgio comum que nós, pessoas brancas, insistimos em repetir sem perceber que essas frases só evidenciam que não entendemos nada do que estamos falando.

Nós, pessoas brancas, precisamos falar menos e escutar mais quando o assunto é racismo. E no âmbito do futebol, não dá para ser antirracista "com clubismo". Só vale a luta se o agressor não for torcedor do meu time. Se for, vira "o suposto caso", a "suposta ofensa". Se tem uma coisa "inconclusiva" nessa história é qual atitude o Fluminense vai tomar para repudiar de verdade o ato racista na sua torcida.

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