Minha primeira reação foi de espanto. O post do ex-goleiro espanhol Iker Casillas na manhã deste domingo pegou todo mundo de surpresa. "Espero que vocês me respeitem: sou gay #felizdomingo". Será?
Mas em seguida já veio logo a desconfiança. Não deve ser verdade, pensei. E me vi cogitando inúmeras possibilidades para aquela postagem, todas desconsiderando a chance da revelação ser real. Poderia ser um amigo invadindo a conta dele, uma "brincadeira" que ele mesmo criou, uma ação de marketing que depois seria explicada por alguma marca. E infelizmente, como se comprovou depois, era muito mais fácil alguma dessas hipóteses serem reais do que a interpretação literal do post.
Casillas disse que sua conta foi hackeada, mas segundo a apuração de veículos espanhóis, ele teria postado a "brincadeira" para ironizar a imprensa espanhola que todo dia noticiava um caso novo do ex-goleiro com alguma famosa. Seu antigo colega de seleção, Puyol, que comentou em cima da postagem ("É o momento de contar nossa história"), admitiu que foi um erro e uma "piada desajeitada, sem más intenções".
Não sei o que é mais triste. Se é o fato de ser 2022 e ainda haver pessoas que acham graça em fazer chacota sobre um assunto tão sério ou o fato de ser 2022 e ainda não existir no mundo um jogador de projeção internacional que tenha se sentido confortável para falar que é gay.
Iker Casillas foi um goleiro que conquistou tudo em um dos maiores clubes do mundo (Real Madrid) e fez parte de uma seleção que também marcou a história por seus feitos inéditos (a Espanha bicampeã da Euro e campeã mundial). Um nome conhecido em qualquer parte do planeta. Seria um marco se um jogador (ex-jogador, no caso) desse calibre se assumisse gay.
Mas é justamente por causa de episódios como esse que ainda é impensável ver isso acontecer no futebol masculino. A "brincadeira" de Casillas e Puyol é hoje mais natural do que um jogador se declarar homossexual.
Só que ser gay não é engraçado, não pode ser motivo de piada. Para pessoas homossexuais, talvez um dos momentos mais dolorosos seja o de revelar sua orientação sexual para a família, para amigos e, no caso de pessoas famosas, para o público. E o medo de rirem de você ou te rejeitarem é o que faz muitas pessoas viverem uma vida de mentiras, de disfarces, não se permitindo ser quem são.
Josh Cavallo, jogador australiano que se declarou homossexual há um ano, criticou a postura dos colegas. "Casillas e Puyol fazendo piadas sobre se assumir (homossexual) no futebol é desapontador. É uma jornada difícil que toda pessoa LGBTQIA+ precisa passar. Ver inspirações e lendas do jogo brincarem sobre sair do armário e sobre a minha comunidade é mais do que desrespeitoso", escreveu.
Essa "piada" infelizmente é comum no meio do futebol. Há mais de dez anos, quando comecei no Jornalismo Esportivo, acontecia toda vez que algum colega (homem) deixava o Twitter aberto e não bloqueava o computador. Logo vinha alguém pra fazer a "revelação" na conta do amiguinho. "Tenho que confessar: sou gay". E todo mundo caía na gargalhada. Tenho que admitir que eu ria junto também. Dez anos depois, não faço mais isso. Entendo que a minha risada vinha às custas de muita dor.
Se a gente parar pra pensar, Josh, obviamente, não é o único gay do futebol mundial. Há milhares. Milhões, talvez? Seria ingênuo demais achar que num universo de tanta gente, existam apenas e tão somente homens heterossexuais. Devem existir, inclusive, campeões mundiais, melhores do mundo, jogadores renomados que são homossexuais, mas estão ainda enclausurados nesses armários que trancamos diariamente com essas "brincadeiras".
As reações homofóbicas imediatas ao post do ex-goleiro espanhol mostram o tamanho do problema. E se Casillas fosse gay? Nesse contexto tão hostil que ainda persiste hoje, se ele fosse mesmo, jamais ficaríamos sabendo.
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