Travesti é eleita presidente do Conselho Regional de Psicologia do RJ

Céu Cavalcanti será a primeira pessoa não cisgênero a comandar um conselho profissional no país, diz entidade

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São Paulo

A pernambucana Céu Cavalcanti, 32, teve um agosto agitado. No início do último mês, realizou o sonho de se tornar professora após ser contratada para dar aulas em uma universidade particular carioca.

Já no último dia 27, participou de um momento histórico. Travesti, ela se tornou a primeira pessoa não cisgênero –ou seja, que não se identifica com o gênero designado ao nascer– eleita para comandar um conselho profissional no país, o Conselho Regional de Psicologia do Estado do Rio de Janeiro. A informação é da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais).

Céu Cavalcanti, 32, eleita nova presidente do Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro, em sala da universidade na qual dá aulas
Céu Cavalcanti, 32, eleita nova presidente do Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro, em sala da universidade na qual dá aulas - Eduardo Anizelli/Folhapress

"Eu sei o quanto isso significa para todas as pessoas trans e travestis desse país. Gradualmente, estou dando conta da dimensão histórica disso. Mas tenho que dizer que o mais importante é a dimensão coletiva que toma forma nesse lugar. Acabo desde esse lugar emprestando rosto a sonhos, desejos e construções absolutamente coletivas", disse ela, eleita em chapa única.

Até maio de 2019, disforias de gênero —termo dado ao sentimento de que o sexo anatômico da pessoa não corresponde a sua identidade— eram consideradas transtornos mentais pela OMS (Organização Mundial da Saúde).

Naquele ano, ao revogar oficialmente a classificação, a OMS afirmou que era hora de reconhecer e diversidade humana e determinou que todos os seus países membros deveriam seguir a recomendação até janeiro deste ano.

O Brasil não esperou. Ainda em 2018, o Conselho Federal de Psicologia já havia publicado uma resolução na qual recomendava aos psicólogos que não tratassem travestilidades e transexualidades como patologias. O texto apontava ainda a importância do combate à transfobia e afirmava que as identidades de gênero devem ser autodeclaratórias.

Nascida no interior de Pernambuco, Cavalcanti fez psicologia pela UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) e se mudou para o Rio em 2018 para estudar —ela é atualmente doutoranda em psicologia pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). No ano seguinte, ela foi eleita para o conselho regional.

"As eleições para o conselho do Rio sempre foram muito concorridas. Em 2019, tínhamos o acréscimo da situação política do país. Mas um grande movimento de articulação entre diferentes grupos da psicologia conseguiu assegurar o espaço democrático e alinhado às perspectivas de direitos humanos", diz ela.

À época, Pedro Paulo Bicalho, professor da UFRJ e orientador de Cavalcanit, foi eleito presidente do conselho fluminense. Ela agora vai substitui-lo no cargo, enquanto ele irá assumir o comando do Conselho Federal de Psicologia.

Além do conselho regional, a psicóloga também é integrante da diretoria nacional da Associação Brasileira de Psicologia Social, do conselho consultivo da Associação Brasileira de Estudos da Trans-homocultura e da Articulação Nacional de Psicólogues Trans.

Muito animada, a presidente eleita diz estar, aos poucos, entendendo a importância do feito.

Cavalcanti também destaca os seus predecessores, como o psicólogo João Nery, primeiro homem trans a realizar a cirurgia de redesignação sexual no Brasil, em 1977. Ele foi impedido de atuar na psicologia por ser um homem trans.

"É imenso me pensar presidindo o local onde décadas atrás João Nery precisou optar por ser quem ele era ou sua vida profissional", diz Cavalcanti.

Ela diz pretender fazer um mandato humanizado, pois considera a psicologia uma profissão de bem-estar. "É importante pensar na saúde como elemento intersetorial que se fortalece com a defesa e ampliação das diferentes políticas públicas. E a psicologia tem contribuído muito nesse campo", afirma.

Durante os três anos de mandato, pretende continuar lecionando, o que sempre fora seu maior desejo e agora grande orgulho.

"É um desejo antigo poder estar nesse lugar de docente e, sem dúvidas, o fato de poder me saber professora fala também de um conjunto de alianças e mudanças culturais que passam a entender que alguém como eu pode ser par e professora em uma universidade. Essa é uma mudança significativa que a nossa geração de pessoas trans começa a viver", diz.

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