Renato Terra

Roteirista e autor de “Diário da Dilma”. Dirigiu o documentário “Uma Noite em 67”.

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Renato Terra

Sensacionalista pede falência

Jornal humorístico alega que realidade superou a sátira

Com o semblante enigmático, o publisher Marlito Zorzalanna fechou a porta do jornal satírico Sensacionalista hoje de manhã. Encarou centenas de colaboradores que seguravam caixas de papelão nas mãos com seus pertences.

"Meu avô fundou esse periódico para satirizar a ditadura de Getúlio Vargas. Meu pai herdou o jornal e conseguiu ser compreendido ao satirizar a ditadura militar. Era um tempo em que a população possuía um aparelho cognitivo capaz de captar piadas que denunciavam a tortura, o autoritarismo. As pessoas ouviam 'The Wall', do Pink Floyd, e alcançavam a letra", discursou, com os olhos marejados. Em seguida entregou as chaves do prédio, que será ocupado por uma igreja evangélica.

Débora Gonzales para Renato Terra de 12.out.2018
Débora Gonzales

Marlito Zorzalanna explicou que o jornal não consegue mais dominar os códigos da sátira. "A gente abre o jornal convencional e vê religiosos aplaudirem um candidato que exalta a tortura. Eleitores usarem armas de fogo para pressionar os números 'um' e 'sete' na urna. Uma médica rasgar a receita de um idoso que votou em Haddad. Um candidato ao governo do Rio ameaçar dar voz de prisão ao concorrente no debate da TV. Uma escola do Rio tirar do currículo um livro acusado de comunismo." Após citar mais 666 notícias, Zorzalanna completou: "Esses fatos são mais surreais do que qualquer sátira que a gente invente. Fomos superados pela realidade".

O movimento foi acompanhado pelo piauí Herald. Dezenas de milhares de funcionários foram demitidos. Correspondentes sequer receberam as passagens de volta ao Brasil.

"Nos últimos meses, a gente se embrenhou nos grupos mais atuantes do WhatsApp. No dia seguinte ao primeiro turno, a foto de uma mulher com os seios de fora provocou mais ira santa do que a notícia de um professor de capoeira assassinado", disse o diretor de redação Olegário Ribamar, enquanto dava cambalhotas com um chapéu de Napoleão na cintura e uma chupeta pendurada na orelha. "Se a gente iniciar uma campanha para os motoristas bloquearem a passagem de ambulâncias em engarrafamentos, isso será bem aceito? Será engraçado? Será pacóvio? O que é pacóvio?", balbuciou repetidas vezes.

ALERTA: Esta coluna é uma sátira. Sensacionalista e piauí Herald não pediram falência no mundo real. Isso se o mundo real ainda existir.

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