Há uns anos, não sei se se lembram, uma parceria luso-brasileira sacudiu o mundo. Michel Teló cantou, Cristiano Ronaldo dançou, e a música "Ai, Se Eu Te Pego" dominou o planeta. Ficou demonstrado o poder que portugueses e brasileiros têm quando se juntam. Agora é só usar essa força para o bem.
Vocês, naquele episódio, tiveram maior responsabilidade que nós, portugueses: se o vosso não tivesse cantado, o nosso não teria tido o que dançar. Mas não é hora para apontar culpas. O caso foi, apesar de tudo, um pequeno milagre.
Não é assim tão fácil que portugueses e brasileiros se entendam. Temos disputas antigas e insanáveis sobre grandes figuras. Gregório de Matos nasceu antes da Independência, mas vocês reivindicam que ele é brasileiro. O padre António Vieira nasceu em Lisboa, mas mesmo assim vocês teimam que ele é brasileiro. O Roberto Leal a gente oferece, mas vocês dizem que ele é português. São muito espertos.
E depois há o problema da língua. Parece a mesma língua mas não é. Ou parece que é outra mas é a mesma. Não sei bem. Seja como for, é improvável que a gente se entenda.
Há palavras que, depois de cruzarem o oceano, deixam de rimar. Em português de Portugal, os versos de Jorge Ben Jor ("Fio maravilha,/ nós gostamos de você/ Fio maravilha,/ faz mais um para a gente ver") não rimam. Nós articulamos aquele "r" final da palavra "ver". Não rima com "você".
E no lindo poema que conquistou o globo, o problema é ainda maior. A gente não usa a interjeição "nossa!" Costumamos optar por "ai, Jesus". Em vez da mãe, chamamos o filho. Também não é hábito dizermos "se eu te pego".
E não usamos as palavras "balada" e "galera" –pelo menos, não com esse sentido.
Recorrendo ao dicionário, substituí esses termos pela sua definição e fiz outros pequenos acertos.
Dá isto: "Sábado, no divertimento em estabelecimentos próprios, que se prolonga pela noite dentro, geralmente com consumo de bebidas/ O conjunto de pessoas que mantêm uma convivência próxima, seja por laços de amizade, familiares ou profissionais começou a dançar // Ai, Jesus, ai, Jesus, / assim tu matas-me // Ai, se eu te apanho / Ai, ai se eu te apanho".
Fica ligeiramente menos dançável. É no que dá não morar num país tropical.
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