Ricardo Araújo Pereira

Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

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Ricardo Araújo Pereira

Vai clonar macaco

Cientistas chineses anunciaram esta semana a clonagem de dois macacos.

Mesmo sabendo do talento da China para produzir imitações perfeitas, é difícil compreender a vantagem de produzir artificialmente bichos iguais a bichos que já existem na natureza.

Custa acreditar que, com a cura do câncer por descobrir, galáxias por visitar, a minha queda de cabelo por resolver, haja cientistas que sonham com a produção de dois macacos.

Um projeto interessante seria produzir animais que não existem, como um unicórnio ou um dragão. Bichos que possam protagonizar episódios de "Game of Thrones", sim, têm prioridade sobre a cura do câncer. Dois macacos, não.

Além disso, a vantagem das imitações é serem mais baratas. Esses macacos, tendo em conta a quantidade de meios e mão de obra necessários à sua produção, são a primeira imitação da história que é mais cara do que o original.

Não digo que não valesse a pena produzir animais que já existem, desde que fosse para os aperfeiçoar. Por exemplo, uma barata de 1,80 m. Que, em vez de apenas petiscar no lixo, comesse o lixo todo. Saco e tudo. Haveria uma em cada prédio, em um apartamento ao lado do do síndico. Ou uma vaca com 30 picanhas. Mas dois macacos?

Tudo isso começou há anos, com a ovelha Dolly.

Os jornais entusiasmaram-se: "Cientistas pegaram uma ovelha e fizeram outra ovelha! Não é incrível?". Eu não fiquei impressionado.

Carneiros fazem a mesma coisa há séculos. Pegam uma ovelha, normalmente por trás (é o método deles) e fazem outra ovelha. Igualzinho. E sem esforço.

Cientistas fecham-se em laboratórios durante anos a estudar matérias complicadíssimas para acabarem a fazer o mesmo que carneiros que nem passaram o vestibular (muitos deles –arrisco dizer a maior parte– não passaram).

Desconfio que os estudantes de ciências exatas nutrem algum desprezo pelo pessoal de humanas. Às vezes, o desprezo é justificado.

Um grupo de humanas pode passar meses a ler e interpretar um conto de ficção científica sobre um cientista que decide clonar dois macacos. Talvez isso não seja útil.

Mas, ainda assim, é um pouco mais útil do que clonar dois macacos.

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