Ricardo Araújo Pereira

Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

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Literatura latrinária: um estudo

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Os especialistas dedicam pouca ou nenhuma atenção à literatura da porta do banheiro, mas a curiosidade científica e uns ovos estragados levaram-me a fazer, nesta semana, um exame bastante aprofundado do fenômeno. (Também tem sido negligenciada a influência da comida fora de prazo nos grandes trabalhos acadêmicos.)

O aspecto mais saliente dos escritores de porta do banheiro é, em primeiro lugar, o meio em que resolvem publicar o seu trabalho e, em segundo, a sua escolha de público-alvo, a saber: pessoas que são capazes de fazer a digestão. É um segmento bastante vasto, denunciando a ambição desses autores.

Por outro lado, os textos são quase sempre anônimos, o que mostra ao mesmo tempo uma profunda humildade.

Crédito: Luiza Pannunzio /Editoria de Arte/Folhapress

Não é fácil saber de quantos escritores estamos a falar, mas é possível detectar alguns traços comuns entre eles –o que indica estarmos perante um movimento estético: são concisos, exprimem-se com igual desenvoltura em poesia e prosa, e escrevem sobretudo sobre amor, política e filosofia.

Além disso, há neles um sentido de urgência, patente na necessidade, aparentemente irresistível, de divulgar que, por exemplo, "A Iolanda é vagabunda".

São, além disso, escritores com uma noção muito aguda da precariedade da existência, e lutam contra a fugacidade do tempo registrando com avidez o instante que passa –o que fica claro em obras clássicas, tais como "Márcio esteve aqui."

Quanto à política, esses escritores costumam defender ou atacar os grandes sistemas ideológicos, com um proselitismo que é simultaneamente enérgico e ingênuo: nunca, na história da política, alguém terá votado em determinado partido ou candidato depois de ter sido a isso persuadido por uma porta de banheiro. Quem nos dera que os eleitores definissem o seu sentido de voto com a ajuda de um meio tão honesto e fiável.

Há ainda uma compulsão comovente (e, creio, inédita na história da grande literatura) para interpelar verdadeiramente o público.

Tolstói, por exemplo, sempre evitou revelar as atividades íntimas que gostaria de levar a cabo com os seus leitores, e muito menos deixou o número do celular para concretizar o desejo –o que talvez ajude a explicar a razão pela qual o Nobel lhe fugiu.

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