Um idiota deve poder sambar? Acho que sim, até porque é das coisas menos perigosas que um idiota pode fazer.

Sou sempre a favor de que idiotas se exprimam. Primeiro, porque é higiênico: um idiota calado parece mesmo uma pessoa, e a gente pode ter a imprudência de se aproximar dele. Só quando ele fala a gente percebe que ele é um idiota.

Segundo, por razões morais: uma das principais diferenças entre nós e os idiotas é que eles podem falar nos nossos regimes, mas a gente não pode falar nos regimes de que os idiotas gostam. É um sinal da nossa grandeza.

Terceiro porque, quando um idiota fala, normalmente ele só causa dano à sua reputação. Só um idiota impediria um idiota de fazer figuras ridículas.

Mas e se o idiota quiser desfilar no Carnaval em memória de torturadores?

É uma questão meramente acadêmica, porque felizmente ninguém é assim tão idiota. No entanto, eu autorizaria. Prefiro combater ideias com outras ideias. Em vez de proibir, contrapor.

Imaginemos que um grupo, hipoteticamente chamado Bloco Porão do Dops, pedia para desfilar. Se eu mandasse, diria: com certeza. Vão entre o Bloco Fogueiras da Inquisição e o desfile de uma escola que vai fazer um samba-enredo de homenagem ao câncer colorretal.

Tenho a certeza de que dois grupos de cidadãos se disponibilizariam imediatamente para homenagear a Inquisição e o câncer, com o objetivo de fornecer o justo enquadramento à festa do Bloco Porão do Dops.

Impedir o desfile teria apenas a vantagem de ver apreciadores da ditadura queixando-se de censura. Um apoiante de ditaduras lamentando censura é como um apreciador de pornografia lamentando nudez. Seria engraçado, mas também enviaria uma mensagem muito perigosa.

Se um juiz proibisse um desfile em memória do Dops, estaria na verdade a dizer: "Aqui no Brasil só é possível homenagear torturadores em sessões oficiais de impeachment. No Carnaval não, porque isto é coisa séria."

Ora, eu não sei se é bom para um país que os seus desfiles de Carnaval sejam mais decentes do que a sua Câmara de Deputados.