Ricardo Araújo Pereira

Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

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Ricardo Araújo Pereira

Moderna sabedoria antiga

O segredo finlandês da felicidade é, tomem nota, ficar em casa sozinho

Ilustração
Luiza Pannunzio/Folhapress

​A entrada dos povos nórdicos no mercado da sabedoria que conduz à felicidade não pode deixar de ser surpreendente. A sabedoria oriental, por exemplo, é antiquíssima, e a dos índios parece brotar de uma rica comunhão com a natureza.

Mas os nórdicos não são assim tão antigos e não comungam com a natureza, até porque entre eles e a natureza há uma grossa camada de gelo.

A natureza, naqueles países, está no freezer. Quem quiser ter contato com ela tem de meter a natureza no micro-ondas e esperar pelos cinco minutos diários de sol para a contemplar.

É curioso notar que temos muito mais facilidade em aceitar conselhos sobre a vida vindos de civilizações em que o mestre trata o discípulo por "pequeno gafanhoto".

Ora, tanto os chineses como os índios têm essa inclinação, mas não os nórdicos. Todas as afirmações que terminem com a expressão "pequeno gafanhoto" parecem encerrar lições importantes —mesmo as mais banais.

Experimentem com os vossos amigos. "São duas e meia, pequeno gafanhoto." "Qual é o melhor caminho para Campinas, pequeno gafanhoto?"

Frases simples que deixam as pessoas a pensar, especialmente se as dissermos na rua a desconhecidos.

Mas os nórdicos não têm tradição nos conselhos sábios. Por isso, foi com surpresa que recebi a notícia do "hygge", o segredo dinamarquês para a felicidade, e do "lagom", o equivalente sueco.

"Hygge" significa, basicamente, desfrutar dos pequenos prazeres da vida na companhia das pessoas queridas. E "lagom" consiste em procurar a moderação em tudo.

Estes conselhos enfermavam de uma fulgurante banalidade — além de não se dirigirem a pequenos gafanhotos.

Mas nesta semana os finlandeses ultrapassaram todas as marcas com o "kalsarikänni". O segredo finlandês da felicidade é —tomem nota, pequenos gafanhotos— ficar em casa sozinho, a beber, em roupas de baixo.

Muito obrigado, finlandeses. Isso não é uma filosofia de vida sábia, é uma quinta-feira normal na casa do meu tio Alfredo.

O meu tio Alfredo é um praticante de "kalsarikänni" há anos, pelo menos desde que a minha tia Irene fugiu com o personal trainer, e continua muito longe de atingir a felicidade. Muito mais sensato e eficaz foi o método da minha tia Irene.

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