Ricardo Araújo Pereira

Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

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Ricardo Araújo Pereira
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Fui procurar em Alexandre Dumas ensinamentos úteis para estes tempos

Protagonista de 'Conde de Monte Cristo' foi encarcerado sem ser culpado, como nós

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Uma vez que somos todos condes de Monte Cristo, presos apesar de inocentes, fui procurar, na obra de Alexandre Dumas, ensinamentos úteis para estes tempos.

Luiza Pannunzio para Ricardo Araújo Pereira
Luiza Pannunzio

Não encontrei, infelizmente —mas, tendo perdido bastante tempo nessa demanda, seria um desperdício se não aproveitasse alguma coisa da experiência para, forçando aqui e aldrabando além, encontrar algumas semelhanças entre as aventuras de Edmond Dantès e a nossa desventura. Estamos numa situação de emergência. Só porque uma ideia é disparatada e inviável, não há razão para ser descartada.

Sucede então que Edmond Dantès foi encarcerado sem ser culpado. Como nós. Submetido a uma longa quarentena de 14 anos (que é exatamente o tempo que a minha parece durar, ao fim de apenas 14 dias), Dantès percebe que sairá da prisão pobre —como​ nós, sem tirar nem pôr.

Tem, no entanto, muita vontade de se vingar de quem o aprisionou —assim como nós também temos.

Aproveita a quarentena para se distrair —tal como nós, nos intervalos da faxina. Trava conhecimento com o abade Faria (personagem que, para Dantès, faz as vezes de Instagram), que lhe ensina línguas, ciência, história e esgrima. Dantès sonha em cravar o ferro nos seus inimigos, e nós temos a mesma fantasia — com uma diferença sutil: nós destruiremos o nosso inimigo cravando um ferro em nós mesmos, no dia em que a seringa da vacina espetar a sua agulha nas nossas ansiosas nádegas. Tirando isso (espero que continuem comigo), é quase igual.

É então que a história de Edmond Dantès começa a divergir irremediavelmente da nossa. Quando sai da prisão, Dantès fica rico porque recolhe um tesouro cuja localização lhe tinha sido revelada pelo abade Faria. É com essa nova capacidade financeira que Dantès obtém uma vida melhor do que a que tinha antes de ser preso e prepara a sua vingança.

Nós, em princípio, havemos de nos vingar destes tempos em festas bastante desregradas —que, à sua maneira, também nos hão de enriquecer. É possível, aliás, que acabemos por contrair novas doenças, enquanto estivermos a celebrar o fato de não termos contraído esta.

Que essa perspectiva nos anime, que bem precisamos. Ânimo vai ser fundamental para, quando deixarmos de enfrentar esta desolação, podermos enfrentar a desolação que se vai seguir.

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