Não sei quem está por detrás da conspiração, mas o cabelo tem uma reputação muito superior à que merece.
Continuamos a suportar todas as suas ingratidões e impertinências, como quando cresce onde não é preciso, deixa de crescer onde deve, encaracola onde devia ser liso, estica onde devia encaracolar, embranquece onde a gente quer que seja negro, negreja onde seria melhor que fosse loiro. Gastamos fortunas a lavá-lo, amaciá-lo, fortalecer-lhe as raízes, hidratar-lhe as pontas.
De vez em quando, pomos-lhe uma máscara —o que é apropriado, visto que se trata de um bandido. Desculpamos todas as suas inconveniências.
Somos capazes de recordar lindos cabelos de uma moça que vimos na juventude; fazemos por esquecer aquela vez em que um deles nos apareceu isolado na sopa, ainda ontem. Gostamos muito de contemplar uma bela mulher a escovar os longos cabelos à beira de um regato; escolhemos ignorar que, depois de o fazer, ela vai tirar os cabelos mortos que ficaram presos na escova e jogá-los no vaso sanitário, onde resistem a ir para baixo.
Nesta semana, o cabelo voltou a prejudicar a humanidade. Donald Trump quer alterar a lei que impede os chuveiros americanos de debitarem mais de 9,5 litros de água por minuto, porque assim o seu cabelo não fica perfeito.
Aparentemente, a perfeição do cabelo de Trump está diretamente relacionada à quantidade de água que o chuveiro jorra. Se jorrar muita, fica perfeito; se jorrar pouca, fica ligeiramente abaixo da perfeição, como está agora. Há, nesta notícia, duas questões que merecem reflexão. A primeira é que, tal como eu já desconfiava há muito tempo, nós seríamos muito mais felizes se Donald Trump fosse careca. Pouparíamos a água e a vista. Beneficiávamos econômica e esteticamente. A segunda é que Trump trata a governação dos Estados Unidos como se fosse a administração do condomínio.
Primeiro dedicou-se a implicar com os vizinhos e prometeu construir um muro para os impedir de entrar. Agora protesta contra a pressão da água do chuveiro. Ele não é bem um presidente, é um síndico.
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