Ricardo Araújo Pereira

Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

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Ricardo Araújo Pereira

Problema da inteligência artificial é o processo da reencarnação

Em vez de migrar a um tigre, minha alma pode reencarnar num smartphone

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Como várias pessoas, tenho algum receio dos perigos que a inteligência artificial pode trazer. Vi o filme "O Exterminador do Futuro" e lembro-me do modo como as máquinas, a certa altura, se organizam para tomar conta do mundo.

Com cautela, todas as manhãs, antes de sair de casa, olho com muita atenção a torradeira para ver se ela aparenta estar mais irreverente.

Me tranquiliza o fato de as máquinas terem acesso a tecnologia suficiente para criar um exterminador indestrutível e para viajar no tempo, mas depois o humanoide tenha de ir consultar a lista telefônica para descobrir a morada de Sarah Connor. Ao que parece, os GPS ficaram do nosso lado.

No desenho de Luiza Pannunzio um homem vestindo terno, camisa e tênis parece flutuando - como se seu corpo estivesse sendo levado e seus braços caídos para trás. Logo abaixo a palavra: reencarnação.
Ilustração de Luiza Pannunzio para coluna de Ricardo Araújo Pereira de 27 de maio de 2023 - Luiza Pannunzio

A inteligência artificial foi criada pela humanidade. Mas a humanidade, ao que me dizem, foi criada por Deus. Ou seja, assim como Deus criou uma forma de inteligência, a humanidade criou outra.

É exatamente o mesmo processo. Nós somos a inteligência artificial de Deus. A humanidade tem tantas razões para temer a inteligência artificial como Deus tem para temer a humanidade. Ou seja, tem mesmo muitas.

Aqueles primeiros contatos de Deus com os seres humanos, no "Gênesis", são muito parecidos com os nossos primeiros contatos com o ChatGPT. Ele também tentou falar conosco, nos fez perguntas, nos colocou a trabalhar para ele.

O maior problema que a inteligência artificial coloca é, me parece, o processo da reencarnação. Quem acredita em reencarnação define o conceito como uma reciclagem da alma. A pessoa morre, a alma vai para um centro de gestão de resíduos e depois se converte noutra coisa. Habita outro corpo e anima-o. Pode ser outro ser humano, mas também pode ser um animal ou uma planta.

Mas agora há mais organismos dotados de entendimento. Podem ter almas artificiais, mas em princípio têm alma. Isso significa que há mais almas disponíveis para habitar organismos, e mais organismos disponíveis para serem habitados. Em vez de migrar a um tigre, minha alma pode reencarnar num smartphone. E talvez a alma do meu tablet que se avariou espere uma vaga para ocupar um recém-nascido.

Com cautela, todas as manhãs, antes de sair de casa, olho com atenção a torradeira para ver se ela se parece com a minha avó. E a verdade é que parece. A minha avó também me fazia o café da manhã.

Começo a ficar inquieto.

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