Ricardo Araújo Pereira

Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

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Ricardo Araújo Pereira

A violação de princípios legais, no Brasil, não é assim tão malvista

Me vejo obrigado a concordar com Campos de Carvalho: não sou eu que ando um pouco fora de época, mas é a época

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Para mim, que estudei num colégio de padres franciscanos, a Christ Summit, que se realizou em São Paulo, foi um evento particularmente bizarro.

Os padres que me educaram fizeram voto de pobreza e zelaram para que eu tivesse tento na língua. Por isso, quando se soube que a convenção de empreendedores cristãos era organizada por um empresário que ensina que "Deus quer que você fique rico" e é autor de uma obra chamada "Seja um Fodido Obstinado", fiquei um bocadinho surpreendido.

Mas não tão surpreendido como quando, dias depois, os jornais noticiaram que os políticos evangélicos apoiavam Zanin para o Supremo Tribunal Federal.

No desenho de Luiza Pannunzio a palavra comunga se destaca logo acima da imagem do advogado Cristiano Zanin que é desenhado vestindo terno, camisa, gravata e sapatos pretos. Homem branco que é, em pé, usando óculos redondos tem as mãos juntas frente ao corpo, olhos fechados, lábios num leve sorriso, como quem agradece ou está em prece. O nome dele - Zanin está escrito logo na ponta de seus próprios pés.
Ilustração de Luiza Pannunzio para coluna de Ricardo Araújo Pereira de 11 de junho de 2023 - Luiza Pannunzio

"Zanin comunga dos nossos pensamentos conservadores", disse o deputado Cezinha da Madureira.

Cristãos incentivam fodidos obstinados a acumular riqueza e Lula nomeia um conservador. Vejo-me obrigado a concordar com o que diz Campos de Carvalho, em "O Púcaro Búlgaro". "Não sou eu que ando um pouco fora de época: é a época."

Quando se confirmou que Lula tinha nomeado o seu advogado e amigo para o STF, logo alguns especialistas vieram afirmar que a nomeação podia "violar o princípio da impessoalidade" e "comprometer a legitimidade do tribunal".

Dizendo isso, os especialistas imaginavam ingenuamente estar criticando Lula, quando estavam a apoiá-lo.

Antes das eleições, Lula havia dito: "Não é prudente, não é democrático um presidente da República querer ter os ministros da Suprema Corte como amigos. Eu acho que a Suprema Corte tem que ser escolhida por competência, por currículo, e não por amizade".

É uma estratégia infalível: quem acha mal nomear amigos, concorda com Lula; quem acha bem, concorda com Lula. Qualquer opinião que a gente tenha, Lula tem também. É assim que se une o povo brasileiro.

O problema, no entanto, não é jurídico. A violação de princípios legais, no Brasil, não é assim tão malvista. O problema que Lula vai ter de enfrentar é pessoal.

Depois de nomear o seu advogado para o STF, é natural que o seu médico lhe ligue a perguntar por que é que não foi nomeado ministro da Saúde, que a sua mulher estranhe não ter sido nomeada ministra das Mulheres, que o seu merceeiro leve a mal não ter sido nomeado ministro da Agricultura.

É a esses que Lula vai ter de dar uma boa explicação. Eu teria cuidado da próxima vez que fosse a uma consulta, e estaria especialmente atento quando fosse comprar fruta. E não sei se dormiria descansado no resto do mandato.

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