Ricardo Araújo Pereira

Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Ricardo Araújo Pereira
Descrição de chapéu Twitter

Há pessoas que têm opiniões e há opiniões que têm pessoas

O que se faz não é tão importante, o que interessa é inventar pessoas virtuais que apreciem o que foi feito

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Gosto muito de ver, em parlamentos, quando alguém discursa e membros do mesmo partido aplaudem ou gritam "bravo!" ou "muito bem!".

Mas fico triste quando o parlamentar que foi o único do seu partido a ser eleito não tem quem o incentive quando fala.

Por isso, fiquei satisfeito quando soube que Casey Bloys, CEO da HBO, pedia aos seus funcionários que criassem perfis falsos no Twitter para atacar os jornalistas que falassem mal dos programas da plataforma. O objetivo não era ter alguém a gritar "bravo!", "muito bem!" aos amigos, mas era parecido: tratava-se de ter alguém a gritar "péssimo!", "muito mal!" a quem nos critica.

No desenho de Luiza Pannunzio um homem branco de cabelo liso e "bem cortado", vestindo camisa, calça, paletó e sapatos está sentado numa banqueta - segurando um smartphone com as duas mãos sobre o colo. Sua perna direita está apoiada no chão enquanto a esquerda está no pé da banqueta. Antecede a imagem dele a palavra CEO e logo após o restante da frase - de perfis falsos. A letra O de CEO tem uma boquinha triste desenhada nela.
Ilustração de Luiza Pannunzio para coluna de Ricardo Araújo Pereira de 5 de novembro de 2023 - Folhapress

A interessantíssima história revela coisas importantes sobre o nosso tempo. Primeira: os CEOs têm bastante tempo livre. Têm tempo para se entreter com críticas. E, depois, têm tempo para engendrar uma estratégia para responder aos autores das críticas.

Segunda: o CEO da HBO acredita que as críticas têm poder e que as respostas às críticas têm a capacidade de anular esse poder. Em princípio, ele acha que os espectadores leem uma opinião negativa escrita pelo crítico do New York Times e ficam sem vontade de ver determinada série. Mas depois leem no Twitter a resposta de @crazyeagle23 e recuperam a intenção de a ver. Por isso, Bloys pediu aos funcionários que criassem perfis falsos com opiniões elogiosas das séries e críticas das opiniões negativas.

Há pessoas que têm opiniões e há opiniões que têm pessoas. Perfis falsos são opiniões que têm pessoas. A pessoa não existe, mas a opinião precisa de um hospedeiro. Ao que parece, parte do trabalho dos funcionários da HBO era criar pessoas fictícias com opiniões reais. É uma profissão criativa.

A HBO contrata roteiristas que inventam as personagens das séries e depois contrata funcionários que inventam as personagens que apreciam as séries. Não há nada como inventarmos os nossos próprios espectadores para termos a certeza de que correspondemos aos anseios do público.

No filme "Matrix", há a vida real e a vida virtual. Neo, Trinity e Morpheus percebem que a vida real, em que são escravizados pelas máquinas, é que conta. A vida virtual é uma farsa.

Casey Bloys acha que não. O que se faz na realidade não é tão importante. O que interessa é inventar um número suficiente de pessoas virtuais que apreciem o que foi feito na vida real —@crazyeagle23 concorda.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.