Ricardo Araújo Pereira

Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

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Ricardo Araújo Pereira

Diga uma coisa de humorista

Quanto mais poderoso é o satirizado, mais graça tem satirizá-lo

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É uma cena famosa do filme "Aprile". Nanni Moretti assiste a um debate político na TV. Berlusconi tem a palavra e ninguém o interrompe. Moretti interpela outro dos políticos presentes no debate e grita com a televisão: "D’Alema, reage! Diz qualquer coisa de esquerda!"

Tenho sentido algo parecido quando ouço humoristas falarem. Quando um fala, grito com a TV, o rádio, o YouTube: "Diz qualquer coisa de humorista!" Ultimamente, parece que eles dizem coisas de padre, de político ou de guru espiritual — mas não de humorista.

Jon Stewart voltou a satirizar políticos - REUTERS

Jon Stewart passou vários dos últimos anos dando sermões. Ora, eu gosto de humoristas que me façam rir. Sermões, prefiro os do padre Antônio Vieira. Mas esta semana Jon Stewart disse uma coisa de humorista. Festejei.

O que se passa é o seguinte: após nove anos de interregno, Stewart voltou a apresentar o "Daily Show" e, sendo este um programa de sátira política, o que ele fez foi satirizar políticos. Vários políticos — incluindo, evidentemente, o presidente dos Estados Unidos.

Há uma boa razão humorística para o fazer: quanto mais poderoso é o satirizado, mais graça tem satirizá-lo. Isto é incontroverso e facilmente demonstrável. Tem mais graça acertar com uma maçã podre a testa do presidente do que a testa de, por exemplo, um encanador. Façam a experiência, se não acreditam.

Só que o Twitter, essa entidade difusa, mas moralmente irrepreensível, achou ruim. Stewart devia ter xingado apenas Donald Trump. Biden, o presidente, não deve ser satirizado.

A discussão sobre sátira política é quase sempre dominada pelas pessoas que se interessam mais por política do que por sátira. Essas pessoas — às quais parece escapar o fato importante de, na expressão "sátira política", "sátira" ser um substantivo, e "política", um adjetivo — dividem-se em dois grupos: as que consideram que o humorista deve ser imparcial e as que pensam que o humorista deve ser um justiceiro que derruba governos iníquos e faz eleger políticos sensatos.

Ambos os grupos acreditam que o humor é mais poderoso do que na verdade é e ignoram que o trabalho do humorista é mais difícil e mais importante do que transformar o mundo: é fazer rir.

Sobre as críticas, Stewart disse qualquer coisa como: o que está em causa nesta eleição não faz com que o opositor de Trump deva ser menos sujeito a escrutínio. Na verdade, é o oposto: se os bárbaros estão à porta, temos de garantir que o guardião é um guerreiro, e não um babaca. Obrigado, Jon.

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