Roberto Simon

É diretor sênior de política do Council of the Americas e mestre em políticas públicas pela Universidade Harvard

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Roberto Simon

A América Latina em 2020

Quatro perguntas sobre os (des)caminhos da região no próximo ano

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Em janeiro de 2019, a América Latina parecia outro planeta.

Mauricio Macri prometia zerar o déficit primário e retomar o crescimento argentino, com donos do dinheiro a apostar na sua reeleição. Veio Alberto Fernández.

Juan Guaidó virou “presidente interino” da Venezuela e proclamou que “o tempo de Maduro (estava) se esgotando”. Hoje, nem a oposição venezuelana acredita que a queda do ditador é iminente.

O FMI projetava um crescimento de 2,5% do Brasil, e Paulo Guedes falava em “3,5% no curto prazo”. Com reforma da Previdência e tudo, deu menos da metade da projeção do fundo.

A lista continua: Equador em convulsão, Evo Morales em fuga, Chile nas ruas rumo a uma nova Constituição, protestos na Colômbia. As bolas de cristal dos analistas —as quais, diga-se, nunca funcionaram muito bem— trincaram de vez.

Ex-presidente boliviano Evo Morales durante entrevista para a imprensa em Buenos Aires, onde está exilado - 19.dez.2019 - Ronaldo Schemidt/AFP

Melhor, então, olhar adiante de outra forma. Em vez de projeções ambiciosas (e provavelmente erradas), podemos pensar em quatro perguntas para guiar interessados na nossa região.

1) Como a “segunda década perdida” continuará a se traduzir em instabilidade política?

À raiz da turbulência regional, está o fracasso econômico. Segundo a Cepal, o período 2014-2020 será o de menor crescimento da América Latina em 70 anos. O PIB per capita latino-americano caiu 4% em seis anos. Do México à Patagônia, a ideia de que inevitavelmente nos tornaríamos sociedades de classe média perdeu força.

Hoje, prevalece a percepção oposta —um nada-realmente-mudou-e-nunca-mudará—, com consequências políticas extremas: ondas de protesto, colapso do establishment político, ascensão de outsiders.

Esse ciclo não terminou e continuará a definir a evolução política na região em 2020.

2) O que virá nas eleições de 2020?

Não faltarão oportunidades para o mal-estar político se manifestar por meio do voto. Em janeiro, o Peru elegerá um Congresso para substituir a legislatura que o presidente Martín Vizcarra destituíra. Em março ou abril, a Bolívia refará suas eleições presidenciais, com um risco real de o resultado ser novamente contestado.

Chilenos terão um plebiscito constitucional e, a depender do resultado, escolherão uma assembleia constituinte em outubro. No mesmo mês, brasileiros terão eleições municipais —descobriremos se o bolsonarismo, com sua Aliança pelo Brasil, criará raízes no nível local. Se Maduro inviabilizar as eleições legislativas venezuelanas, marcadas para dezembro, Guaidó cairá num limbo político-jurídico (seu mandato termina no mês seguinte).

Mas a mais importante eleição para o futuro da região é a dos EUA, onde estão em jogo visões radicalmente distintas sobre o papel dos EUA no mundo.

3) O Brasil seguirá na trilha do isolamento internacional?

Imagine o seguinte cenário: a crise na Amazônia se intensifica, com investidores afugentados, uma campanha internacional de boicote e europeus discutindo sanções ao Brasil. Cresce a hostilidade entre Bolsonaro e Fernández, com graves consequências ao Mercosul. Derrotado, Trump dá lugar a um democrata progressista.

Existe um caminho claro que levará o Brasil ao isolamento. Trilhá-lo será uma escolha do governo, a depender, sobretudo, do poder que terá a ala “antiglobalista” daqui para frente.

4) Como o jogo geopolítico global afetará a região?

O ano terminou com o pré-acordo comercial entre Pequim e Washington, cujas quotas podem custar caro a economias latino-americanas (algo como US$ 10 bilhões ao Brasil, segundo o Insper).

Mas o confronto EUA-China se ampliou a duas outras frentes, além do comércio. A primeira é a tecnológica, sobretudo no campo do 5G. O Brasil considera postergar seu leilão, mas eventualmente terá de se decidir sobre a participação da China. A segunda é a financeira. Sanções contra chineses, ou restrições à plataforma Swift de comunicação interbancária, arriscarão balcanizar o sistema financeiro.

As três disputas definirão o desenvolvimento latino-americano na nova economia global.

Essa lista está longe de ser exaustiva —é apenas um começo. O mais importante: com menos certezas preconcebidas, será mais fácil entender uma América Latina em rápida transformação.

As opiniões expressas acima não refletem necessariamente a posição do Council of the Americas

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