Rodrigo Tavares

Professor catedrático convidado na NOVA School of Business and Economics, em Portugal. Nomeado Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial, em 2017

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Rodrigo Tavares

Boicote à La Liga não resolve o problema do racismo na Espanha

Preconceito no país também ataca quando as bancadas estão vazias

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Incentivar o boicote dos patrocinadores da La Liga não é a solução mais eficaz para combater o racismo no futebol da Espanha. Certamente que a injeção de capital de empresas patrocinadoras irriga o aparelho futebolístico, mas a sua retirada não provocaria nenhuma mudança substantiva no comportamento bárbaro e tirânico dos torcedores espanhóis.

Os patrocinadores não têm recursos internos nem vontade institucional de fomentar mudanças estruturais a longo prazo em uma sociedade. A sua lógica é imediatista, reagindo momentaneamente a riscos reputacionais que afetam padrões de consumo transientes.

Vejamos o caso da Rússia. Nos primeiros meses após a invasão militar da Ucrânia, cerca de mil empresas e organizações anunciaram vários tipos de boicotes.

Vinicius Junior, atacante do Real Madrid, antes da partida de futebol da liga espanhola, em Madri - Javier Soriano - 24.mai.2023/AFP

Eu estava de malas feitas para dar um curso de formação sobre sustentabilidade corporativa a executivos da Rosneft, a petroleira russa, quando a minha universidade congelou as parcerias com a Rússia. Fez muito bem. Porém, nos últimos meses, os produtos de várias empresas, como da Lego, Nike, Zara ou H&M, voltaram a circular no país, de forma reservada e muitas vezes com intermediários.

Estimular os patrocinadores da La Liga, como o banco Santander, a EA Sports ou a Microsoft (11 no total), a cancelarem os seus apoios pressuporia também que exigíssemos que esses mesmos patrocinadores prestassem contas éticas sobre todas as centenas de outras iniciativas que apoiam.

Em 2017, a exposição "Queermuseu - Cartografias da diferença na arte da brasileira" foi cancelada por um centro cultural de Porto Alegre patrocinado pelo Santander, após pressão do MBL (Movimento Brasil Livre). Foi um choque para a comunidade LGBTQIA+. Os padroeiros dos boicotes não deveriam enveredar pelo especismo entre as pautas sociais.

A saída de patrocinadores também não implica um choque financeiro. Outras empresas, certamente menos interessadas em direitos humanos, colonizarão o espaço deixado livre pelos patrocinadores que temem ser associados a comportamentos ignóbeis de uma torcida.

O problema não é o racismo especificamente na La Liga ou em qualquer clube de futebol espanhol. O problema é o racismo na Espanha.

Nenhuma pessoa se transforma em um racista apenas quando passa pela catraca de um estádio de futebol. Os estádios simplesmente permitem que pessoas sejam moldadas ideologicamente para agir de forma massificada, golpeando insultos enquanto se escondem por detrás do anonimato que o pertencimento a um grupo proporciona. Hannah Arendt alertou para estes fenômenos.

Ataques racistas semelhantes foram identificados em outros esportes no país. Em fevereiro deste ano, o brasileiro Yago Mateus foi alvo de racismo em jogo de basquete. O mesmo aconteceu em 2016 ao brasileiro César de Almeida, conhecido como Bombom, enquanto atuava numa partida de handebol também na Espanha.

O problema vai além do campeonato de futebol espanhol ou de competições esportivas. O racismo também ataca quando as bancadas estão vazias.

Vários organismos internacionais têm destacado que a Espanha tem um problema estrutural de segregação racial. É o que afirmam relatórios do Comitê da ONU sobre a Eliminação da Discriminação Racial, Anistia Internacional, Human Rights Watch, ENAR (Rede Europeia Contra o Racismo) e da ECRI (Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância).

Em 2021, o Ministério da Igualdade espanhol publicou o primeiro relatório sobre a população africana e afrodescendente na Espanha, apresentando evidências de racismo institucionalizado no país.

As empresas que apenas reagem a fenômenos mediáticos semelhantes ao de Vinícius Junior como mecanismo de sobrevivência reputacional deveriam, em vez disso, apoiar movimentos e iniciativas antirracistas de forma sistemática e consistente.

Isso inclui financiar programas nacionais e estruturais de enfrentamento ao racismo liderados pelo governo espanhol, pelo Observatório Espanhol do Racismo e da Xenofobia, pela sociedade civil ou organismos internacionais.

O fato de as empresas ainda não o fazerem é um indicador de que, contrariamente às suas declarações públicas opondo-se aos insultos ao jogador brasileiro, ainda não estão verdadeiramente preparadas para dar uma contribuição sólida para enfrentar o problema.

Vinícius Junior é patrocinado por uma dezena de empresas, brasileiras e globais. Elas poderiam ser candidatas a darem o primeiro passo.

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