Rodrigo Tavares

Professor catedrático convidado na NOVA School of Business and Economics, em Portugal. Nomeado Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial, em 2017

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Rodrigo Tavares

Quanto você vai pagar pelo ar que respira?

Brasileiros aceitam ar contaminado e políticas públicas de qualidade do ar frouxas

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Os incêndios que assolam o Canadá provocaram na semana passada uma nuvem de fumaça alaranjada que se abateu sobre várias cidades americanas, incluindo Nova York. Todos nós vimos as imagens apocalípticas padrão Mad Max.

A qualidade do ar em Manhattan atingiu os piores índices desde os anos 1960, afirmaram autoridades locais. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a emissão de um dos principais poluentes atmosféricos (PM2.5), que não deveria ultrapassar 15 µg/m³ (microgramas por metro cúbico), alcançou alarmantes 27 µg/m³ nos EUA no dia 7 de junho. Os americanos reagiram ao cenário emergencial recorrendo às máscaras, aos purificadores de ar e ao confinamento doméstico.

Como se compara esse cenário nos EUA ao de São Paulo? Uma análise do Iema (Instituto de Energia e Meio Ambiente) revelou que a poluição do ar na capital paulista tem permanecido, ao longo das últimas duas décadas, acima do máximo recomendado pela OMS. Em algumas regiões da cidade, os índices de poluição ultrapassam em quatro vezes o limite. Mesmo nos anos da pandemia de Covid-19 os poluentes atmosféricos transpuseram a barreira do que é considerado seguro para a saúde pública. O que, na semana passada, foi um episódio emergencial para os nova-iorquinos é o passado e o presente dos paulistanos.

Fumaça de incêndios no Canadá cobrem Nova York - Getty Images

Segundo este estudo, 8.409 mortes em São Paulo podem ser atribuídas anualmente aos níveis de concentrações de poluentes na atmosfera. A OMS considera a poluição do ar o maior risco ambiental para a saúde humana, contribuindo para o aumento de doenças e infeções respiratórias, câncer do pulmão e doenças cardiovasculares. A nível mundial mata cerca de 7 milhões de pessoas.

Os limites de segurança definidos pela OMS têm-se ajustado ao mesmo passo em que avança a ciência. Aconteceu em 2005 e 2021. Mas, no Brasil, os padrões de qualidade do ar são mais estáticos e significativamente mais permissivos do que os valores definidos pela Organização Mundial da Saúde.

Atualizar os limites pressuporia declarar como catastróficas as condições atmosféricas no país. É um passo politicamente sensível.

Se a poluição atmosférica não for combatida, a tendência é a privatização do consumo de oxigênio. Aconteceu o mesmo com outro bem essencial, a água. Pagamo-la a empresas públicas e privadas de saneamento e a empresas que a engarrafam. A cidade de Paisley, na Escócia, foi a primeira a vender água tratada e distribuída por um sistema de saneamento (1804). São Paulo, Porto Alegre e Rio de Janeiro foram pioneiras no Brasil a construir sistemas de abastecimento de água encanada, na segunda metade do século 19.

As primeiras empresas que vendem "ar limpo" da Noruega, da Nova Zelândia, de zonas rurais inglesas ou dos Himalaias começaram a surgir há uma década. Na Índia, em 2019, foi aberto o bar Oxy Pure, onde os clientes podem inalar oxigênio por 15 minutos para fugir à forte poluição de Déli. Tal como aconteceu com o abastecimento doméstico de água, as nossas casas e locais de trabalho poderão vir a ser adaptados para receberem oxigênio.

O OxyPure bar, no aeroporto de Nova Déli (Índia)
O OxyPure bar, no aeroporto de Nova Déli (Índia) - Reprodução

O ar que respiramos era o último bastião imune à comoditização. Atualmente, praticamente todos os ingredientes da nossa vivência são comoditizáveis, incluindo tudo o que consumimos, as relações sociais, o acesso à natureza, a espiritualidade, as artes. A nossa sobrevivência física como espécie depende da nossa capacidade individual de sermos compradores. O crescimento veloz da inteligência artificial, com o respetivo impacto na forma como produzimos e consumimos bens e serviços, consolidará a passividade dos seres humanos. À medida que vamos abdicando de sermos criadores ativos, passaremos a receptores de bens e conhecimento produzido por terceiros, incluindo os algoritmos.

Poluição atmosférica em São Paulo aumenta com falta de chuva - Eduardo Knapp - 26.jul.22/Folhapress

A intensificação dos índices de poluição nos obrigará também a levar para o campo da consciência atos morfológicos involuntários, como a respiração ou o piscar de olhos. Se eu inalo ar cerca de 20 mil vezes por dia, quantas inalações de ar contaminado eu posso ter diariamente sem prejudicar a minha saúde? Mil? Dez mil? E como evitá-las?

Atualmente, um cilindro de oxigênio de 50 litros custa aproximadamente R$ 3.000. Dependendo da taxa de fluxo, poderá ser consumido em até um dia, o que representa uma despesa mensal de R$ 90 mil. É um valor inacessível para quem não tem uma conta bancária representada por exponenciais. A alternativa são melhores políticas públicas.

Alguns estados brasileiros adotaram planos estratégicos de qualidade de ar, mas, infelizmente, sem músculo executivo ou visão de longo prazo. A maioria dos estados não tem sequer uma estação de monitoramento de qualidade do ar. Se ficarmos por nossa conta, quanto estamos dispostos a pagar pelo ar que respiramos?

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