Incêndios florestais no Canadá atingem locais raramente afetados antes

Regiões ao norte do país tiveram que ser esvaziadas após fortes queimadas

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Norimitsu Onishi
Roberval (Québec) | The New York Times

Quando Liz Gouari estava fazendo planos para se mudar da África e viver com seu marido numa área rural do norte de Québec, ele lhe prometeu que o Canadá era um país tranquilo.

Mas na quarta (7), eles estavam entre dezenas de pessoas em choque num centro de retirada após toda a população da cidade onde viviam ter sido forçada a fugir de um incêndio florestal galopante.

Homem em Nova York faz foto de fumaça oriunda de incêndios florestais no Canadá
Homem em Nova York faz foto de fumaça oriunda de incêndios florestais no Canadá - Angela Weiss - 7.jun.23/AFP

O incêndio avançou e chegou à cidade deles, Chibougamau, uma das inúmeras comunidades canadenses afetadas por um surto de incêndios florestais cuja fumaça escureceu os céus de grandes áreas da América do Norte e forçou milhões de pessoas a ficar em casa para fugir da péssima qualidade do ar.

Tendo crescido na República Democrática do Congo, Gouari e seu marido, Rey Steve Mabiala, disseram que estavam acostumados com retiradas de todos os tipos —Mabiala certa vez se escondeu numa floresta tropical para fugir de combates— e com o modo como enchentes e secas agravadas pela crise climática estão provocando grandes deslocamentos na África.

"Na África, há muitos refugiados climáticos, mas nunca pensei que eu me tornaria um no Canadá", disse Mabiala, 42, que chegou ao Canadá em 2018. Gouari, 39, juntou-se a ela no mês passado, depois de ele obter residência permanente no país e patrocinar a entrada dela no país.

A três meses do fim da temporada dos incêndios florestais no Canadá, o fogo já devastou mais de dez vezes o número de hectares queimados até esta mesma época no ano passado. Acredita-se que a extensão e a intensidade do fogo estejam ligados à seca e ao calor provocados pela crise climática.

Há incêndios ardendo em florestas em todas as províncias e todos os territórios do Canadá, exceto a província de Prince Edward Island e o território setentrional de Nunavit, situado acima da linha de árvores, onde a temperatura é muito baixa para permitir a sobrevivência de árvores.

"Minha mulher fica me perguntando: ‘Como é possível?'. Você me prometeu que o Canadá era pacífico, mas agora estamos começando a fugir como se estivéssemos em nosso país’", disse Mabiala, olhando para sua esposa, que, com olhar vazio, só conseguia murmurar que estava chocada.

O surto de incêndios atingiu não apenas as províncias ocidentais do Canadá, tradicionalmente propensas a sofrer com as chamas, mas também regiões do leste do país, como o Québec, onde é raro haver tantos incêndios simultâneos e cujos habitantes têm pouca experiência em deixar suas casas devido a isso.

Dos mais de 400 incêndios ardendo no país atualmente, mais de um terço está no Québec, que já registrou a pior temporada de incêndios florestais de sua história. "Este ano está sendo realmente excepcional", disse Josee Poitras, porta-voz da agência quebequense de prevenção de incêndios florestais.

À medida que a temperatura sobe mesmo em regiões canadenses extremamente frias, o calor e a baixa umidade do ar estão deixando as árvores mais secas, disse Tanzina Mohsin, professora de ciências físicas e ambientais da Universidade de Toronto. "Estamos diante de eventos sem precedentes, incluindo secas, incêndios acelerados e ondas de calor, e haverá mais, em especial incêndios florestais."

Os incêndios em Québec foram provocados na semana passada por um único raio que caiu nas proximidades de Val-d’Or, 320 quilômetros a sudoeste de Chibougamau, na sequência de uma primavera anormalmente seca, disse Poitras. "Em um só dia recebemos 200 alertas de pessoas avisando que tinham visto fumaça. Isso resultou em mais de cem incêndios, que estão se alastrando gradualmente."

Em Chibougamau, cidade de 7.500 habitantes a 700 km ao norte de Montreal por estrada, as autoridades emitiram ordem de esvaziamento na noite de terça, apenas horas após terem divulgado que uma barreira anti-incêndios ia conter as chamas. Mas, com as chamas a apenas 25 km de distância e avançando mais rapidamente, os moradores do município entraram em veículos e começaram a ir para o sul.

Muitos deles chegaram a Roberval, 140 quilômetros a sudeste de Chibougamau. Um trajeto que geralmente leva duas horas para ser percorrido demorou duas ou três vezes mais, devido ao grande número de carros e trailers avançando lentamente pela rodovia no meio da noite.

"Moro em Chibougamau há mais de 40 anos e nunca passei por uma situação como esta", disse Francis Côté, 71, que estava abrigado com outras pessoas num ginásio de esportes em Roberval. "É a primeira vez na vida que sou obrigado a deixar minha casa em razão de um incêndio."

Foi a primeira vez que a população inteira de Chibougamau precisou deixar a cidade devido a incêndios, mas moradores de partes da cidade tiveram que sair em 2005.

Segundo as autoridades, uma combinação de fatores foi responsável pelo alastramento dos incêndios na área da cidade. Chuva gelada que se converteu em gelo sobre as árvores, levando galhos a se curvarem sob o peso, encheu o chão da floresta de galhos partidos que pegaram fogo facilmente. O solo estava mais seco que de costume porque a neve derreteu antes do período normal e choveu pouco na primavera.

Cidade que nasceu devido à mineração e à indústria madeireira, Chibougamau é um dos poucos nomes que aparecem com destaque nas vastas e pouco povoadas regiões do norte do Québec. Para muitos na província, é um lugar misterioso que evoca distância e frio extremo.

Mas também Chibougamau está sendo afetada pelos efeitos do aquecimento global. Moradores de longa data da cidade disseram que sua comunidade já vinha passando por mudanças anos antes da retirada.

Desde que se aposentou de seu emprego na mineração, dez anos atrás, Côté é gerente de um rinque de patinação no gelo ao ar livre. O fato de haver menos meses com temperaturas abaixo de zero encurtou a temporada da patinação, e a temperatura irregular dificulta a manutenção de uma superfície gelada lisa.

"Neste ano houve um degelo em janeiro", disse ele. "O gelo derreteu. Tive que começar de novo. Levou uma semana para o gelo ser refeito. Vemos claramente que é o aquecimento global que nos está impactando cada vez mais. A cada ano que passa, fica pior."

Tradução de Clara Allain

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