Rodrigo Tavares

Professor catedrático convidado na NOVA School of Business and Economics, em Portugal. Nomeado Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial, em 2017

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Rodrigo Tavares

Alterações climáticas no Brasil: há políticas públicas, mas falta capital

Sem incentivos, dificilmente o mercado financeiro brasileiro investirá na descarbonização do país

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Uma das tendências recentes do mercado financeiro brasileiro é o lançamento de novos fundos temáticos dedicados a questões climáticas, descarbonização ou transição energética. Pelo menos uma dezena deles acaba de entrar no mercado ou estão em avançados estágios de desenvolvimento, sob gestão de organizações brasileiras como FAMA, BTG, GEF Capital, VOX Capital, Mombak, eB Capital, re.green, Aurea Finvest, JGP ou Yvy (nova gestora de Paulo Guedes, Gustavo Montezano e Roberto Azevedo). Não é um inventário exaustivo.

Além destes, fundos de investimentos internacionais ligados à tese climática operam no Brasil, como os geridos pelo BNP Paribas e a Franklin Templeton.

São produtos que investem em infraestrutura verde, na descarbonização do setor imobiliário, em tecnologias ligadas à sustentabilidade, em mercados de carbono, em reflorestamento e preservação de florestas, em modelos de produção agrícola sustentável ou em empresas listadas com baixas credenciais climáticas para obrigá-las, uma vez executado o investimento, a alterar a rota. A coluna estima que, no total, estes fundos têm a intenção de levantar em torno de US$ 2 a 3 bilhões.

Imagem mostra parte da floresta desmatada e queimada. Uma outra parte está intocada e cheia de árvores.
Desmatamento na Floresta Amazônica - Mauro Pimentel - 15.set.21/AFP

Durante o período Bolsonaro, alguns investidores argumentavam que faltavam produtos ESG/clima de qualidade para justificar a sua falta de interesse nesta área. Mas hoje sobejam produtos de qualidade e o capital continua não sendo suficiente.

Com quase R$ 1,2 trilhão sob gestão, os fundos de pensão brasileiros são, tradicionalmente, os grandes regadores de capital do mercado. Mas, ainda atordoados com a Operação Greenfield deflagrada pela Polícia Federal em 2016, alguns se mantêm afastados de investimentos em mercados privados, como private equity ou venture capital. A maioria das entidades fechadas de previdência complementar passou, entretanto, por uma higienização na governança e nos recursos humanos, porém muitos ainda não se arriscam a alocar capital em classes de ativos com maior risco. A maioria dos fundos climáticos sendo lançados no Brasil investem em ativos privados.

Outra dificuldade deriva da histórica dependência dos investidores brasileiros relativamente à renda fixa. Em ciclos de alta da Selic, o mercado brasileiro é um dos poucos no mundo onde é possível atingir retornos acima de 1% ao mês com baixo risco. A subida da Selic é, por isso, inversamente proporcional ao estímulo sentido por um gestor de ativos para ser criativo e testar uma maior diversidade nas carteiras. Não está previsto que os juros voltem ao dígito único antes de 2024.

Há também carências pedagógicas na Faria Lima relativamente a temas de clima. Investir num fundo climático necessariamente pressupõe fazer uma "due diligence" de alguns meses em todos os ingredientes desses produtos, incluindo as componentes técnica e científica ligadas às alterações climáticas. Muitos gestores não têm este "know how" e duvidam que o tempo investido no aprendizado possa ser compensado financeiramente a médio prazo. A cachoeira de informações sobre ESG que caiu sobre o Brasil em 2020-2022 não foi necessariamente absorvida pelas instituições financeiras. A maioria ainda não está equipada tecnicamente para integrar de forma matemática riscos ESG em decisões de investimento.

Para levantar o capital necessário, muitas gestoras brasileiras de fundos climáticos acabam, em primeiro lugar, por buscar capital em bancos de desenvolvimento (DFIs na sigla em inglês). Cerca de uma dezena atua ativamente no Brasil, como o IFU (Dinamarca), Proparco (França), DEG (Alemanha) ou os multigovernamentais CAF, IFC e BID, enquanto cerca de meia dezena podem considerar investir no Brasil de forma oportunista. Entre 2016 e 2021, o BID alocou US$ 26 bilhões em finanças climáticas na América Latina e Caribe. O seu braço de investimentos, o IDB Invest, com um portfólio de US$ 15 bilhões, dificilmente fará novos investimentos em fundos sem levar em consideração o perfil socioambiental desses aportes.

Há também quem tente atrair capital de investidores institucionais estrangeiros, como fundos de pensão ou family offices, que tenham mandatos para investir na mitigação das alterações climáticas. Muitos destes são membros do CREO Syndicate ou da NZAOA (Net Zero Asset Owner Alliance), uma iniciativa de investidores institucionais comprometidos em fazer a transição dos seus portfólios de investimento para emissões net zero. Principalmente na Europa, pela força da lei, investidores estão sendo pressionados a aportar capital em temas climáticos. O Brasil, o alegórico país da Amazônia, é um alvo natural. Há investidores que se sentem inibidos com o risco cambial, mas há outros que tomam omeprazol e aceitam a volatilidade. Recentemente, a Mombak anunciou investimentos do Canada Pension Plan Investment Board, da Fundação Rockefeller e da seguradora francesa AXA.

À medida que o Brasil vai desenvolvendo novas políticas públicas para posicionar o país como uma potência ambiental –como o novo marco legal para o mercado de carbono ou o Plano de Transformação Ecológica– o governo federal e os estaduais precisam incentivar a canalização de recursos para temas climáticos. Não exclusivamente na forma de subsídios ou outras benesses orçamentárias e tributárias. Mas incentivando o BNDES, os bancos de desenvolvimento estaduais e principalmente os fundos de pensão a investirem significativamente em fundos de investimento e produtos financeiros ligados ao clima, seguindo, naturalmente, o rigor das finanças e a transparência da governança. O Regime de Previdência Complementar Brasileiro deveria estar alinhado com o Acordo de Paris.

No que toca às finanças climáticas, o mundo se encontra desmembrado entre o hiperativismo dos europeus e a autofagia dos americanos. Alimentando-se de informações contrafeitas e atolados num marnel ideológico até os joelhos, muitos governadores nos EUA têm proibido os fundos de pensão estaduais de investirem em fundos climáticos. Enquanto os mercados internacionais debocham dos seus colegas americanos, alguns legisladores fora dos EUA apresentam projetos de lei risíveis que vedam "a ministração da temática e de conteúdo informacional ESG" aos alunos da rede pública de ensino. Aconteceu na Câmara Municipal do Rio de Janeiro no dia 4 de setembro de 2023.

Desbolsonarizar o Brasil ainda vai levar tempo. Mas a Faria Lima poderá ajudar.

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