Rodrigo Zeidan

Professor da New York University Shanghai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.

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Traumas afetam nosso processo decisório

O correto não é ignorar a história , mas sim usar as informações relevantes para projetar o futuro

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Prédios em construção em Qingdao; por trauma do passado, chineses e brasileiros têm a ideia de que imóveis são investimentos seguros
Prédios em construção em Qingdao; por trauma do passado, chineses e brasileiros têm a ideia de que imóveis são investimentos seguros - Yu Fangping - 22.out.13/Xinhua

Algo que temos em comum com os chineses é a ideia de que imóveis são investimentos seguros. A fonte para isso é a mesma: trauma. Entre outros, no Brasil tivemos hiperinflação e, na China, a fome que matou milhões no desastroso Grande Salto para a Frente. 

Traumas afetam nosso processo decisório: damos demasiada importância ao passado, queremos deixar heranças vultuosas e não sabemos planejar nossas carreiras. Ainda hoje, para muitos, o longo prazo é decidir onde serão as próximas férias.

Isso também nos torna pessimistas demais. Em uma reunião com um ex-presidente da IBM, bilionário, ele comentou que só deixaria duas coisas para os filhos: sua rede de contatos e a melhor educação que o dinheiro pudesse comprar. Excesso de confiança sem rede de segurança é o American way e traz riscos, embora esse caso seja a exceção mesmo lá. 

Mas traumas têm seu preço. Ainda falamos em salários mensais, resquício da época em que o gatilho salarial compensava a inflação. Parcelamos o que pudermos. Não sabemos lidar com liquidez e temos ojeriza a dívidas. “Dinheiro na mão é vendaval” dizemos, quando no exterior é o oposto —“nada bate o velho e bom dinheiro na mão”. Muitos ainda têm medo de um novo confisco de poupança. E, nesse caso, nossos traumas são leves. 

Diz a Torá que os judeus demoraram 40 anos para deixar o Egito, mas o Egito demorou 400 anos para deixar os judeus. Os alemães, que associam a hiperinflação de quase cem anos atrás com o surgimento do nazismo, ainda hoje temem mais aumentos de preços do que ter câncer.

O correto não é ignorar a história e repetir os erros do passado, mas sim usar as informações relevantes para projetar o futuro. Isso vale até para um casamento feliz. O pior cenário é estarmos presos num relacionamento tóxico, no qual a barreira para sair de casa é pensar em como já fomos felizes em um longínquo verão. O ideal é acordar todo dia e responder: quero passar o resto da minha vida com essa pessoa? Ou seja, todo dia renovar os votos de amor, olhando para a frente.

É difícil, mas possível, planejar a aposentadoria e construir uma carreira —se falta um período para terminar a faculdade de direito e houver certeza de que não há vontade de advogar, o melhor é trocar de curso, mesmo abandonando todos os créditos. Não devemos cair na falácia dos custos afundados, no qual os investimentos passados nos acorrentam porque temos medo de mudar. Isso vale também para políticas públicas, mas esse papo fica para outra hora.

Nosso trauma inflacionário está à nossa volta. Uma geração inteira cresceu gastando dinheiro no momento em que se recebia. E aprendendo que a única forma de poupar era imobilizar algo ou ter um boleto para pagar, assim criando um compromisso de longo prazo.

Mas o Brasil, a duras penas, criou um ambiente estável. Muitos jovens que pregam a mobilidade e o desapego a símbolos do passado, como carros caros, são às vezes incompreendidos pelas gerações antigas e traumatizadas. Podemos nos planejar para o futuro (se formos da elite, é claro) sem grandes sustos. E decidindo racionalmente se vale a pena alugar ou comprar. Afinal, um imóvel pode ser lucrativo, mas tem baixíssima liquidez e altos custos de transação. 

As mudanças mundiais assustam, seja a guerra na Síria, a evolução tecnológica que não entendemos direito, como inteligência artificial, ou as mudanças de governo no qual trocamos o roto pelo esfarrapado. Mas não há dúvidas de que evoluímos. Podemos e devemos nos planejar para o longo prazo.

Mas mudar nosso modelo mental significa deixar para trás traumas que ainda fazem parte da nossa identidade, sem perdê-la. Afinal, nada vem de graça.

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