Rodrigo Zeidan

Professor da New York University Shanghai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.

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Para o governo, pobres são sommeliers de trabalho

Meritocracia de verdade só funciona quando condições iniciais são próximas e regras do jogo são claras

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O quem têm em comum as medalhas da Rebeca Andrade e a proposta de bônus do Bolsa Família? Que, por trás do sucesso, há grande esforço individual.

Para a esquerda, meritocracia é quase um palavrão, e, para a direita, o que falta para impulsionar a sociedade brasileira. Mas ambos estão errados, pois há lado bom e outro ruim na meritocracia.

Na verdade, o ideal seria abandonarmos essa palavra por algo que representasse os diferentes ganhos individuais; dos que venceram reais obstáculos e dos que contaram com diversos tipos de privilégio. No país das capitanias hereditárias, parte da elite vive de privilégios, não de esforços.

Meritocracia de verdade só funciona quando condições iniciais são próximas e regras do jogo são claras. No Brasil, temos é pronomiocracia, em que privilégios pavimentam o caminho do sucesso de uns poucos afortunados.

O mérito pelo esforço deveria ser chamado de talantocracia (ou amillacracia, segundo um amigo grego), antiga palavra para riqueza por esforço individual, mas que também transborda para a sociedade (os talantos permitiam que cidades pequenas pagassem impostos a Atenas, por exemplo).

Na vida real, não há como separar facilmente os dois lados da meritocracia. Não faltam casos de pessoas com privilégios que também se esforçam para serem bem-sucedidas. Também há, na nossa cultura empresarial e pública, corrida pela mediocridade. Mas o mais comum, como para muitos de nossos atletas, é quem encontra diversas barreiras para fazer valer o seu esforço. Em vídeo de 2009 com uma pequena Rebeca Andrade, o tema da reportagem era uma pequena melhora na condição de treinos; como se esforçar sem condições para isso?

Dou aula também na Dinamarca, há nove anos. O país não é a sociedade igualitária do imaginário brasileiro. As pessoas são livres para criar valor, e riqueza, mas com condições iniciais igualitárias e excelente rede de seguridade social.

Quer fazer faculdade de literatura? Fácil de entrar, e você recebe cerca de € 1.000 por mês para se manter. Quer estudar finanças na Copenhagen Business School? Dificílimo de conseguir vaga, mas você recebe o mesmo valor. Quer ficar rico? Vai fundo, mas vai pagar altos impostos.

No final, a Dinamarca tem a terceira maior desigualdade de riqueza entre os países ricos, de acordo com trabalho de Davies e coautores. Os 10% mais ricos detêm 76% de toda a riqueza do país (como comparação, no Japão esse valor é de 39%).

Meritocracia, sem considerar condições iniciais, não reflete esforço. Sem entender as condições iniciais que são cruciais para a avaliação do problema, políticas são “meritocráticas” só no nome e podem até piorar o problema. Por exemplo, a nova proposta do governo, de um bônus para beneficiários do Bolsa Família, falha em entender a ligação entre esforço e renda.

Para o governo, há muitas famílias que preferem receber o Bolsa Família (cujo benefício máximo vai passar a ser de R$ 250 por família) a arrumar um emprego formal, que pagaria mais de quatro vezes esse valor.

A literatura científica já mostrou claramente que isso é um mito, mas, para o governo, pobres são sommeliers de trabalho: “Não, essa vaga é muito ruinzinha, essa outra é para trabalhar muito duro e não quero, e aquela outra não é adequada ao meu perfil”.

Pagar um bônus para quem tem sorte de conseguir um emprego formal e deixando os outros à míngua? Vale tudo no país da pronomiocracia.

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