Rodrigo Zeidan

Professor da New York University Shanghai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.

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Rodrigo Zeidan
Descrição de chapéu LGBTQIA+ mercado de trabalho

Pagando para poder viver

Ser LGBTQIA+ significa pagar com o bolso para poder viver como é

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Ser LGBTQIA+ significa pagar com o bolso para poder viver como é

No final do mês do orgulho LGBTQIA+, é importante lembrar que falta muito para nos tornarmos uma sociedade civilizada, no qual cada um pode viver sua vida em paz, sem moralismo barato. A discriminação é comum em várias dimensões, incluindo o mercado de trabalho, em que o que deveria importar seria a produtividade de cada trabalhador.

Associamos casais homoafetivos com maior renda, mas isso só acontece para os quais ambos trabalham, têm muitos anos de educação formal e não têm filhos; casais heterossexuais nessas condições também estão entre os mais ricos do país. A verdade é que a intolerância contra a comunidade LGBTQIA+ começa antes mesmo de a pessoa entrar no mercado de trabalho.

Público na avenida Paulista durante a 26ª edição da Parada do Orgulho LGBTQIA+, em São Paulo
Público na avenida Paulista durante a 26ª edição da Parada do Orgulho LGBTQIA+, em São Paulo - Bruno Santos -19.jun.2022/Folhapress

Pessoas heterossexuaissão chamadas para entrevistas de emprego em uma proporção muito maior do que candidatos LGBTQIA+. São inúmeros os estudos sobre o assunto, sendo canônico o artigo de Tilcsik (2011), que encontra discriminação pesada contra candidatos gays, especialmente quando a descrição das vagas inclui estereótipos masculinos. Pior, a marginalização acontece mesmo quando os candidatos não se declaram como LGBTQIA+, já que é comum que o RH analise as postagens dos concorrentes.

Na média, empresas começam o processo de discriminação ao classificar os postulantes a cargos em pessoas heterossexuais ou não, sem necessariamente fazê-lo de forma explícita. A intolerância também acontece contra lésbicas, mas o problema não é tão grave por uma razão angustiante: os contratantes acreditam que mulheres lésbicas têm menor probabilidade de ter filhos. Assim, a discriminação contra mulheres heterossexuais em idade fértil compensa parcialmente aquela contra lésbicas (em alguns estudos, autores encontram que parceiras em relacionamento estável ganham mais que outras mulheres, por causa disso).

Conseguir um emprego é mais difícil, mas fica pior. Uma meta-análise por Klawitter (2015), que analisa dezenas de estudos científicos, mostra que homens gays ou bissexuais têm um salário 11% menor que heterossexuais com as mesmas características (educação, saúde, altura, experiência profissional etc.). Esse resultado é confirmado por vários estudos mais recentes, como Valfort (2017), Aksoy e outros (2018) e Burn (2019).

Resultados para pessoas transgênero são ainda mais deprimentes, mas o número de estudos é pequeno, pela falta de dados (até há pouco tempo, a maior parte dos institutos estatísticos mundiais não colhia dados sobre pessoas trans).

É bem ruim ser mais difícil conseguir um emprego e ganhar menos quando se consegue um, mas não acaba aí. Badgett et al. (2021), em estudo que revisa grande parte da literatura científica, mostram que pessoas LGBTQIA+ não têm acesso ao mesmo leque de empregos e profissões que o resto da população.

Para se proteger, a comunidade procura profissões que discriminam menos e têm menos riscos (de agressões verbais e físicas, por exemplo). Mas, em qual setor seja, fica ainda pior. Aksoy e outros (2019) mostram que pessoas LGBTQIA+ competentes são promovidas para cargos de gerência em proporção muito menor do que o esperado; algumas empresas contratam minorias para preencher cotas ou ficar bem com clientes, mas os tratam como cidadãos de segunda classe.

Ser LGBTQIA+ significa pagar com o bolso para poder viver como é. Para mudar, precisamos conhecer os dados. Eles estão aí. O que vamos fazer para trazer o Brasil ao século 21?

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