Rodrigo Zeidan

Professor da New York University Shanghai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.

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Descrição de chapéu Mercosul União Europeia

Lula e o acordo entre Mercosul e União Europeia

França faz exigências ambientais e Lula quer 'proteger' a indústria nacional

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Parece que é hora da verdade. Vai sair o acordo entre Mercosul e União Europeia? O presidente paraguaio, Santiago Peña, deu um ultimato aos europeus: se o acordo não sair até o dia 6 de dezembro, quando Lula lhe entrega a presidência rotativa do Mercosul, o bloco vai encerrar as negociações.


Com o decoupling (dissociação) de economias como as americanas e europeias e a China, as cadeias globais de valor estão se rearranjando pelo mundo. A União Europeia é o maior investidor nas economias sul-americanas. Seria hora de estimular investimentos para revitalização da nossa indústria. Infelizmente, a chance de isso acontecer é mínima. As lideranças políticas regionais ignoram a integração comercial com o resto do mundo. No Brasil, estamos ainda presos no modelo de substituição de importações, um desastre há décadas.

O acordo Mercosul-UE está sendo costurado há 20 anos e uma versão inicial foi assinada em 2019. Em grande parte, as negociações estão paradas por causa dos europeus. A França, por exemplo, quer compromissos ambientais adicionais. Mas Lula também não quer ratificar o acordo, para "proteger" a indústria nacional. Se passar como está, o mercado de compras governamentais seria aberto: as empresas europeias poderiam ganhar contratos nas licitações de Brasil, Paraguai, Uruguai e Argentina e vice-versa. O argumento de Lula, saído diretamente da década de 70, é que nada poderia impedir o Brasil de fazer "política industrial soberana".

Lula participa da Cúpula de Chefes e Chefas de Estado do Mercosul, em Puerto Iguazú, Argentina - Ricardo Stuckert/PR


O modelo de substituição de importações começou na década de 30, mas foi turbinado pelos governos militares, cujo legado de hiperinflação e fechamento da economia é um desastre que nos acompanha até hoje. Nesse modelo, fecha-se o mercado local à competição, subsidiando-se empresas nacionais para que atinjam escalas adequadas de produção. Para funcionar corretamente, são três as condições principais: identificação correta dos setores a serem protegidos, tarifas substanciais e subsídios específicos para que a produção local cresça de forma eficiente e, principalmente, retirada dos mesmos à medida que as indústrias amadurecem.

O Brasil falhou nas três dimensões (quem não lembra da desastrosa Lei de Informática, que até hoje, indiretamente, faz com que computadores sejam muito mais caros que no resto do mundo?). O Brasil já é um país industrial há 50 anos, mas os empresários locais continuam com a ladainha de que, caso se abra o mercado, a indústria desaparecerá.



O resultado é que o Brasil é o país mais fechado do mundo para o comércio internacional (exceto pelo Sudão), com relação média entre a soma de exportações e importações e PIB, de 2010 a 2022, de menos de 28% (a média mundial é de 92%, e a mediana, 77%). Para países em conflitos, essa relação é de 51%. Países pobres altamente endividados? 56%. América Latina? 47%. Países de renda média? 48%.

Lula tem o cacife para desatar esse nó. Com redução de tarifas, algumas empresas brasileiras iriam sim à falência, mas várias outras aumentariam investimentos. Novas fábricas de iPhone? Índia. Os mais de US$ 150 bilhões investidos em fábricas de baterias elétricas? Fora alguns investimentos (pequenos, na escala global, da WEG e BorgWarner), não no Brasil.

A principal barreira ao acordo Mercosul-União Europeia não é a demanda ambiental dos europeus. É a vontade de "soberania da política industrial" dos sul-americanos. Que só entrega desindustrialização.

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