Ronaldo Lemos

Advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro.

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Ronaldo Lemos

'iPhone' dos cigarros eletrônicos vira febre nos EUA

Outra indústria especializada em compulsão descobriu como unir nicotina a tecnologia

Homem bafora fumaça e segura cigarro eletrônico na mão
Teste com cigarro eletrônico que promete redução de danos para a saúde - Eduardo Knapp/Folhapress

Há um novo verbo que muitos adolescentes nos Estados Unidos estão conjugando várias vezes ao dia: "to juul". Juul é a marca de um novo tipo de cigarro eletrônico. O objeto, nascido de uma empresa do Vale do Silício, está sendo proclamado como o "iPhone" dos cigarros eletrônicos.

A comparação faz sentido. Boa parte do sucesso do Juul se deve ao seu design. O aparelho é pequeno, leve, lembrando um pen drive. Custa cerca de R$ 120. Tal como um celular, é carregado na porta USB do computador, ou com carregadores comuns. Para fumar, o usuário conecta um pequeno cartucho (chamado de "pod") que vem em vários sabores: menta, manga, tabaco clássico, crème brûlée e até pepino cool. Um pacote de quatro custa algo como R$ 60.

Todos contêm nicotina, mas eliminam uma parte das demais substâncias tóxicas do cigarro, como o alcatrão e resíduos metálicos.

Esta é exatamente a plataforma de marketing da empresa: melhorar a vida de quem já é fumante. O produto seria uma opção menos nociva ao cigarro tradicional, para quem já depende dele.

O problema é que o Juul gerou um insólito efeito colateral. Tornou-se extremamente popular entre jovens que estão no ensino médio. Uma nova geração está usando nicotina pela primeira vez e muito cedo por causa desse novo modelo "cool" de cigarro eletrônico.

Há toda uma cultura na internet em torno do Juul. É só ir ao Instagram para ver contas como "Juul Girls" e outras em que adolescentes aparecem em situações felizes da vida com seu cigarro eletrônico.

Em outras palavras, o aparelho em si se tornou um meme, engraçado, moderno e totalmente compatível com a cultura jovem contemporânea.

Outro fator para a popularidade desse tipo de consumo de nicotina é sua conveniência. Um cigarro normal precisa de um bloco de tempo de três a cinco minutos para ser fumado. O Juul pode ser fumado em tragadas isoladas que duram frações de segundo.

É o mesmo padrão de uso do celular. Você pode puxar o aparelho para preencher microtempos da vida. Por exemplo, ao aguardar o elevador, dá tempo de olhar o celular e ver sua rede social. Com o Juul, é a mesma coisa. Na escola, quando o professor vira de costas para escrever no quadro, dá para dar duas tragadas e colocar o aparelho de volta no bolso.

A própria empresa está preocupada com a popularidade do produto entre adolescentes. Para acessar seu site, é preciso afirmar que é maior de 21 anos, e há campanhas de prevenção de uso para jovens.

A reação é mais ampla. Um conjunto de senadores nos Estados Unidos, incluindo a democrata Elizabeth Warren, está pressionando a FDA (agência de saúde americana) a banir as modalidades do produto que são populares entre adolescentes.

O Juul representa o encontro do cigarro com o Vale do Silício. Nos últimos anos, as empresas de tecnologia vêm desenhando produtos que são cada vez mais compulsivos para seus usuários: games, redes sociais, novos celulares e assim por diante. Agora, outra indústria especializada em compulsão –a do cigarro– descobriu que é possível unir nicotina com tecnologia.

Na era das externalidades, boa parte dessa conta vai ser paga pelas famílias e pelos sistemas de saúde em todo o planeta.

 

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