Neste início de ano conturbado, é muito bom podermos usufruir de uma das poucas constâncias da vida ocidental: todo dia 1º de janeiro as obras que tiveram seus direitos autorais expirados são promovidas ao chamado "domínio público". Tal como o canto gregoriano que é entoado pelos monges todos os dias da semana às 18h no mosteiro de São Bento, o domínio público não falha. Todo início de ano está aí para nos reconfortar
Quando uma obra é promovida ao domínio público ela pode ser então livremente utilizada. Pode ser transformada em filmes, adaptada, traduzida, regravada e seus personagens podem aparecer em novas histórias e universos. É um convite poderoso à criatividade coletiva. E no ano de 2023 o domínio público está especialmente bom no contexto dos EUA, que é a jurisdição mais importante. Um verdadeiro presente para a humanidade neste momento de incertezas.
No campo dos livros a safra é vigorosa. A começar pelo seminal "Ao Farol" de Virginia Woolf, publicado em maio de 1927 e considerado um marco do modernismo. Para os fãs de mistério, Sherlock Holmes também vai chegando ao domínio público. O livro "Case-book of Sherlock Holmes", compilado de estórias publicadas por Arthur Conan-Doyle entre 1921 e 1927 também é de todos nós. Hemingway também nos presenteia com seus contos reunidos no livro "Homens Sem Mulheres". Tem também "O Lobo da Estepe" de Herman Hesse, "O Tempo Reencontrado" de Proust, Faulkner e muito mais.
Se a seleção de livros é de tirar o fôlego, no cinema há pesos-pesados. Nada menos do que o filme "Metropolis" de Fritz Lang entrou no domínio público. O filme —espetacular até hoje— é o precursor de toda uma linha cinematográfica que passa por Blade Runner e os filmes de ficção científica de Dennis Villeneuve. Tem também o filme por muito tempo considerado perdido de John Ford, chamado "Upstream". Uma cópia dele foi encontrada em nitrato de celulose na Nova Zelândia em 2009.
Ascende ao domínio público também o primeiro longa-metragem falado da história, o filme "O Cantor de Jazz", de valor histórico inestimável e que encerrou o romantismo efêmero dos filmes mudos. Por curiosidade, a primeira frase falada do cinema foi: "espere um minuto, um minuto, você ainda não ouviu nada." Na época, capaz de causar assombro na audiência (e até hoje impressionante).
E tem mais. Na música muita coisa boa. A começar pelas canções "Funny Face" e "´S Wonderful" de Ira and George Gerswhin. Esta última continua como trilha sonora para os apaixonados e foi recriada em uma versão matadora de João Gilberto que abre o álbum Amoroso de 1977. Tem também "Back Water Blues" de Bessie Smith. E a influente "The Best Things in Life Are Free" de George Gard De Sylva.
O domínio público é um convite para todos: para o público redescobrir essas obras, agora facilmente acessíveis na internet. Para os arquivos e bibliotecas, que podem colaborativamente preservá-las. Inclusive evitando seu desaparecimento, como quase aconteceu com o filme de John Ford. E também para produtores e criadores. Da mesma forma como João Gilberto recriou Gershwin, outros artistas podem fazer o mesmo com esse manancial inesgotável quando a obra finalmente chega ao domínio de todos nós.
READER
Já era Achar que "fact checking" (verificação de fatos) é desnecessária
Já é Fact checking de imagens para descobrir se foram feitas por inteligência artificial
Já vem Fact checking de vídeos para descobrir se foram feitos por inteligência artificial
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