Ronaldo Lemos

Advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro.

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Descrição de chapéu Folhajus internet YouTube

Suprema Corte dos EUA pode mudar a internet

Pais de jovem assassinada por terroristas em Paris pedem que Google seja responsabilizado por vídeos radicais postados no Youtube

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São Paulo

Quem reclama de "ativismo judicial" no Brasil deveria dar uma olhada no caso Gonzalez vs. Google, que a Suprema Corte dos EUA está julgando. Esse caso pode literalmente mudar a história da internet tal qual a conhecemos. Ele pode revogar ou alterar significativamente um dos dispositivos legais que permitiram o crescimento acelerado (e desordenado) das empresas de internet nos EUA.

Trata-se da chamada Seção 230 da Lei da Decência nas Comunicações, existente desde de 1996. De acordo com esta seção da lei, os provedores de conteúdo e de hospedagem (como Google, Facebook e muitos outros) não podem ser legalmente responsabilizados pelas postagens dos seus usuários.

Esse trecho da lei criou uma imunidade enorme para as plataformas de conteúdo (que tem algumas poucas exceções). O usuário pode mentir, difamar e até postar conteúdo inflamatório radicalizado. A plataforma, no entanto, não pode ser processada por isso.

Beatrice Gonzalez e Jose Hernandez, mãe e padrasto de Nohemi Gonzalez, assassinada em 2015 por militantes islâmicos em Paris, em frente à Suprema Corte dos EUA, em Washington (EUA); o casal processa o gigante da mídia social Google e sua subsidiária YouTube por terem alguma responsabilidade na morte de sua filha - Jonathan Ernst -17.fev.23/REUTERS

Tudo pode mudar agora por causa da família Gonzalez. Eles são pais de Nohemi Gonzalez, jovem que foi assassinada em 2015 na casa de shows Bataclan, em Paris. O argumento da família contra o Google é que os terroristas foram radicalizados assistindo a vídeos no Youtube. Os algoritmos da plataforma teriam selecionado especificamente vídeos radicais, que foram sendo oferecidos para os terroristas, até que eles partissem para ação.

A família Gonzalez argumenta que na época em que a Seção 230 foi formulada, não havia a capacidade de conteúdos serem selecionados por algoritmos. Por causa disso, as plataformas deveriam poder ser responsabilizadas hoje por conteúdos que promovem automaticamente.

Parece simples. Mas não é. A revogação da Seção 230 mira as grandes plataformas, mas pode atingir todas as iniciativas na rede, grandes e pequenas. Não por acaso representantes da Wikipedia entraram na ação pedindo fortemente para que a Suprema Corte mantenha a Seção 230 inalterada. Se ela for modificada, a própria Wikipedia pode ser responsabilizada por qualquer conteúdo postado nela. Com isso, tem a chance de se tornar inviável.

Muita gente vê a mudança na Seção 230 como uma forma de limitar o poder das plataformas de conteúdo. No entanto, na prática, o tiro pode sair pela culatra. Se as plataformas puderem ser processadas a cada conteúdo dos usuários, na prática, começarão a remover massivamente conteúdos arriscados. Na dúvida, o conteúdo sai, justamente para não gerar a possibilidade de processos e indenizações posteriores. E quem decide o que sai ou fica no ar? As próprias plataformas. Elas terão sua discricionariedade ampliada para arbitrar em primeiro lugar e último lugar o que deve sair ou ficar.

O caso nos EUA ilustra a importância do Marco Civil da Internet, nossa lei que trata do assunto no Brasil de forma diferente. De acordo com o Marco Civil, quem decide em última análise se um conteúdo deve ficar no ar ou não é o Poder Judiciário. A plataforma é responsabilizada na medida em que descumpre os comandos do Judiciário que, no Brasil, tem sua capacidade de atuação preservada para agir.

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