Ruy Castro

Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras.

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Ruy Castro

Gênero de primeira necessidade

Nunca o Brasil precisou tanto das biografias

Rio de Janeiro

Uma escritora, Kathryn Hughes, decretou no suplemento literário do jornal britânico The Guardian —citado aqui na Ilustríssima— a morte da biografia como gênero literário. Para ela, que lamenta o fato, a biografia estaria sofrendo de esclerose. E pergunta, com razão: “Quem precisa de mais um livro sobre esta ou aquela cortesã e amante do rei?”. Kathryn é professora de um curso de escrita criativa e formação de biógrafos numa universidade de seu país. E esta é a diferença entre ela e nós. Nem Kathryn é brasileira — se fosse, estaria desempregada— e nem a Inglaterra é o Brasil.

Desde “A Vida de Samuel Johnson”, de James Boswell, publicada em 1791, a Inglaterra tem uma tradição de mais de 200 anos de biografias. Todos os seus escritores, artistas, atletas, políticos, nobres, monarcas e até criminosos —só Jack, o Estripador, já rendeu quase mil livros— foram copiosamente biografados. E, como disse Kathryn, não ficou uma cortesã ou amante do rei por biografar. É natural que os ingleses se sintam cansados da intimidade de seus maiores e se interessem agora pela das “pessoas comuns”.

Não é o caso do Brasil. Apesar da obra deixada por Oliveira Lima, Heitor Lyra, Octavio Tarquínio de Souza e R. Magalhães Jr., que biografaram quase todo o Império e a República Velha, ainda há muito que fazer. E mesmo os livros deles não são definitivos. Há biografias de Machado de Assis, por exemplo, em vários volumes, nos quais Machado não tem um único ataque epilético. 

Enquanto não tivermos por aqui pelo menos mais de uma biografia para valer de Manuel Bandeira, Carlos Drummond, Di Cavalcanti, Mario de Andrade, Oswald idem, Guimarães Rosa e outros —para ficarmos somente na literatura moderna—, a biografia continuará a ser entre nós um gênero de primeira necessidade. 

Principalmente agora que os biógrafos têm total liberdade para trabalhar.

O poeta Manuel Bandeira é um dos muitos brasileiros que esperam por uma grande biografia
O poeta Manuel Bandeira é um dos muitos brasileiros que esperam por uma grande biografia - Iconografia de Manuel Bandeira

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