Quando morre um brasileiro famoso, vou direto aos jornais no dia seguinte para apreciar a caricatura do falecido, de camisola branca e asinha, sendo recebido numa nuvem por seus colegas de turma, também de asinha e camisola, que terão partido antes. Alguns são desenhados tocando harpa. É uma alegoria, uma representação da crença de que, com a chegada do fulano, o céu entrou em festa.
Foi assim com a morte recente de João Gilberto, sendo recebido no céu por Tom Jobim e Vinicius de Moraes; com a de Millôr Fernandes, em 2012, juntando-se a Paulo Francis e Ivan Lessa; com a do poeta Ferreira Gullar, em 2016, sentando-se à mesa com João Cabral de Melo Neto e Carlos Drummond de Andrade; com a do craque Nilton Santos, em 2013, tendo a esperá-lo Garrincha. Curiosamente, não se veem cartuns com mulheres indo de asinha e camisola para a nuvem —Bibi Ferreira morreu outro dia e não me lembro se um cartum a mostrou sendo recepcionada por Tonia Carrero.
Mas, supondo que a dita nuvem exista e os grandes mortos se dirijam para ela ao morrer, por que encontrariam apenas os pares com quem se davam? Por que não também os pares com quem não se davam?
Fico imaginando os arranca-rabos do encontro de Lima Barreto com Coelho Netto no céu, de Mario de Andrade com Oswald de Andrade, de Noel Rosa com Wilson Baptista, de Getulio Vargas com Carlos Lacerda, de Emilinha Borba com Marlene —o primeiro de cada dupla, tendo morrido antes, assistindo com desprazer à chegada do outro, seu desafeto em vida, e já prevendo o fim do seu sossego celestial. Seu e o de seus vizinhos de nuvem, que não têm nada a ver com a briga entre eles.
Não estou agourando ninguém, mas é fatal que, um dia, cada qual em sua camisola, Lula e Sergio Moro se encontrem por lá. Só temo que, com a venda antecipada, os ingressos para esse clássico na nuvem já estejam esgotados.
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