Vi Clarice Lispector em pessoa algumas vezes. Foi no começo de 1968. A convite de Justino Martins, Clarice estava fazendo uma série de entrevistas —“Diálogos possíveis”, como eram chamadas— para a Manchete. Ela mesma as levava à Redação, na rua Frei Caneca. Sentava-se diante de Justino, diretor da revista, e ouvia suas sugestões sobre o que perguntar a Nelson Rodrigues, Tom Jobim, Carlos Lacerda. Para nós, jovens repórteres, era impossível ignorar aquela beleza severa. Ela não sorria.
Entendo agora por quê. No livro recém-lançado, “Todas as Cartas”, reunindo sua correspondência, há uma em que Clarice diz a Lygia Fagundes Telles que não gostava de vê-la sorrindo nas fotos: ”Liginha, não sorria. Escritoras que sorriem não são levadas a sério”. Mas, pelo visto, Lygia não a obedeceu. Continuou sorrindo, ostentando sua também considerável beleza, e nunca deixou de ser levada a sério. Outras igualmente belas e sorridentes a quem Clarice pode ter dado o conselho, em vão, foram Cecília Meirelles, Adalgisa Nery e Elsie Lessa.
Nunca vi Maura Lopes Cançado, cuja tragédia pessoal não comportava alegria, nem Carolina Nabuco, Carolina Maria de Jesus e Pagu. Também não conheci Gilka Machado, Maria Helena Cardoso e Dinah Silveira de Queiroz, embora haja fotos delas sorrindo. Mas de Rachel de Queiroz, Maria Alice Barroso e Heloneida Studart ouvi até gargalhadas. E posso atestar que Marina Colasanti, Ana Maria Machado e Nélida Piñon —esta, nem pensar— nunca economizaram um sorriso.
Muitas das escritoras mais antigas que citei, amadas e respeitadas em vida, estão hoje esquecidas. Não por terem se deixado fotografar sorrindo, mas porque o Brasil despreza seu grande catálogo.
Ao passo que Clarice se tornou a escritora brasileira mais levada a sério de seu tempo e de todos os tempos. Mas por escrever o que escrevia, não por não sorrir como deveria.
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