Ruy Castro

Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras.

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Ruy Castro

O jornal que nos abraça

Quando muda a tecnologia, o formato mais antigo é que é obrigado a mudar de nome

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Um amigo meu, a respeito de um artigo na Folha, referiu-se ao fato de tê-lo lido “no impresso”. Queria dizer, claro, que o lera no jornal de papel. Ao ouvir isso, ocorreu-me que cada vez mais pessoas chamam de “impresso” o jornal que se compra na banca ou se recolhe pela manhã na porta do apartamento, para diferenciá-lo do online. E me ocorreu também que, mais uma vez, a substituição de um formato por outro fará com que o antigo é que tenha de mudar de nome para dar lugar ao novo.

Foi o que aconteceu quando o CD começou a se impor sobre o LP, nome pelo qual o disco de vinil foi chamado durante os seus cerca de 50 anos (1948-98) no mercado. Pois, com a chegada do CD, que era um disco metálico, o LP passou a ser chamado de “vinil” —quando, se fosse o caso, o CD, como novidade, é que devia ser chamado de “metal”. O que, com atraso, ainda pode acontecer, agora que o CD também foi reduzido a peça de museu pelas novas tecnologias.

Ninguém na Idade Média (500-1500) dizia que estava vivendo na Idade Média, e muito menos era xingado de medieval. A pecha só se estabeleceu quando veio o Renascimento. Também se diz sem pensar que dom João 6º trouxe a família real para o Brasil em 1808. Mas quem fez isto foi o príncipe-regente dom João, que só se tornou dom João 6º ao ser coroado rei, em 1816.

O advento da Segunda Guerra (1939-1945) transformou em Primeira Guerra o que até então se conhecia como a Grande Guerra (1914-1918). No Brasil, a Revolução de 1930 não derrubou a República Velha. Derrubou a República de 1889 e, para indicar a ruptura, passou a chamá-la de Velha. E o sanfoneiro Luiz Gonzaga sempre foi Luiz Gonzaga, até ser eclipsado por seu filho Gonzaguinha e tornar-se, retroativamente, Gonzagão. Etc.

Donde parece inevitável que este nosso velho amigo matinal, que nos abraça ao ser aberto, em breve se torne “o impresso”, e estaremos conversados.

O personagem Charles Foster Kane (Orson Welles) em cima de pilhas do seu jornal, em cena de 'Cidadão Kane' (1941)
Charles Foster Kane (Orson Welles) em cima de pilhas do seu jornal, em cena de 'Cidadão Kane' (1941) - Reprodução

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