Ruy Castro

Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Ruy Castro

'Mito! Mito!'

Bolsonaro tem de aproveitar cada minuto na Presidência. Ninguém o chamará de mito na cadeia

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Em 1872, Francisco Otaviano, jornalista, político e diplomata, publicou um livro de versos. Um dos poemas dizia: “Quem passou pela vida em branca nuvem/ E em plácido repouso adormeceu/ Quem não sentiu o frio da desgraça/ Quem passou pela vida e não sofreu/ Foi espectro de homem, não foi homem/ Só passou pela vida, não viveu”. Bastou aquilo para consagrá-lo —a qualquer lugar que fosse alguém se punha de pé, alçava a fronte e declamava o poema. Os presentes deliravam. Otaviano é que, depois de algum tempo, não suportava mais ouvi-lo. Mas tinha de ficar firme.

O mesmo com Juscelino Kubitschek. Já presidente, uma reles ponte ou torneira que inaugurasse era precedida de uma banda militar tocando a ciranda “Peixe Vivo” —“Como pode o peixe vivo/ Viver fora da água fria...”. Como inaugurava cinco obras por dia, ouvir a cantiga se tornou um suplício. Mas JK armava seu melhor sorriso e todos achavam que ele a adorava.

Louis Armstrong idem. A toda cidade que chegasse, em qualquer país, era recebido no aeroporto por uma furiosa bandinha tocando “When The Saints Go Marchin’ In”. Era preciso muita coragem para alguém tocar trompete diante de Satchmo. Talvez por isso, saturado, ele tenha resistido a gravar “When The Saints”, o que só fez em 1954.

E Adolf Hitler? Diante dele, seus liderados tinham de bater os tacões, esticar o braço e gritar “Heil Hitler!”. Em resposta, com nítida impaciência, Adolf só mostrava a palma da mão. Devia urrar contra si próprio por ter instituído aquela saudação.

Jair Bolsonaro é diferente. A qualquer grota que chegue, inclusive o cercadinho no Alvorada, grupos ainda ululam “Mito! Mito!”. E ele acredita nisso. Tem de acreditar. Com sua máscara de honesto caindo diante de sérias acusações que o revelam como corrupto, precisa aproveitar cada minuto na Presidência. Ninguém o chamará de “Mito! Mito!” na cadeia.

Jair Bolsonaro com apoiadores no Palácio do Alvorada - Facebook
Erramos: o texto foi alterado

Versão anterior deste texto dizia incorretamente que o autor do poema citado no primeiro parágrafo é Joaquim Nabuco. Os versos, na verdade, são do ex-jornalista, político e diplomata Francisco Otaviano. O texto já foi corrigido.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.